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No bucólico município, pelo menos durante a Festa Literária Internacional de Paraty, as questões literárias tomam proporções surreais e abusam da hipérbole. "Minha mãe diz que eu sou alienada, que só quero saber de ler", solta, aos risos, Camila. "Tive que juntar dinheiro por um ano para conseguir vir. Meu pai não me ajudou", reclama Verônica. As estudantes (propositalmente exageradas nas descrições) saíram de Porto Alegre e, aos olhos dos pais, padecem de um mal nada prejudicial: leem demais. Perfis similares ocupam cada esquina da festa, que recebe até domingo mais de 25 mil pessoas.
Promessas
A expectativa acerca da Flip, claramente o mais badalado festival literário do país, não mudou depois do cancelamento da visita do francês Michel Houellebecq ou do norueguês Karl Ove Knausgård. A ausência dos escritores facilitou a inclusão de última hora de mesas de debate sobre os protestos no Brasil. "Gosto muito de Knausgård, mas a nossa vida agora precisa mais dessas discussões", analisou Camila, fazendo trocadilho com o sucesso Minha vida, do norueguês.
Segundo a produção, apenas cinco pessoas preferiram o reembolso dos ingressos adquiridos para a programação original com os europeus. Os demais permaneceram animados com as novas pautas. Ingressos, inclusive, são disputados aos tapas. Quem ainda animar percorrer os 250 km que separam Paraty da capital Rio de Janeiro para tentar adentrar algumas das atrações oficiais terá que barganhar com cambistas (raríssimos) e desertores de última hora. Uma alternativa frutífera é acompanhar o circuito Off Flip, com infinitas opções. Laerte, Ruy Castro, Ferreira Gullar são alguns dos cânones confirmados.
Desde quarta-feira, a cidade de apenas 35 mil habitantes praticamente dobrou a população. Todos estão com os olhos voltados para o movimento gerado, superior ao do carnaval e ano-novo. Comércio, turismo, artistas, transeuntes. Nunca se leu tanto. Livros caem de árvores (literalmente). Pena que dura apenas cinco dias.
Gil morno
Há 10 anos, o tropicalista Gilberto Gil recebeu a incumbência de abrir a primeira edição da Flip. Encantou com seus vocalizes, sussurros e gritinhos de MPB. Ele voltou (para realizar a mesma tarefa). Mas, encantou bem menos. Preferindo uma versão minimalista ("íntima", segundo ele), Gil subiu ao palco sem maiores euforias e apresentou os próprios clássicos ('Grão', 'Domingo no parque' e por aí vai) e os dos outros (com destaque para 'Imagine', de John Lennon).
Parte do público que rodeava a Tenda do Telão, onde a apresentação aconteceu, não aprovou o desempenho pouco inspirado. "Aumenta o som", "Toca Caetano", "Vem pra rua, Gil", eram alguns dos pedidos feitos por quem não conseguiu ficar de frente para o compositor. Nem o acesso ao show correu bem. As cadeiras diante do palco eram de uso exclusivo de convidados e daqueles que adquiram ingressos. Algumas pessoas, no entanto, não conseguiram entrar e protestaram. "Paguei pelos ingressos! Venderam muito mais do que cabia. Agora, barraram nossa entrada", reclamou a bancária Luíza Silva, ao lado do marido. Pequenos tumultos se formaram nas entradas. O público reagiu. Gil chegou a parar a apresentação para se informar dos acontecimentos. Ouviu atentamente. Aumentou o som. Abriu um sorriso. E resgatou o ânimo. Os pagantes acabaram entrando e a noite terminou bem. Sem maiores alardes. Quem assistiu pelos telões, ao longe, garante que se divertiu mais.
No primeiro dia, o protagonista foi o autor amazonense Milton Hatoum, que distribui autógrafos e tirou fotos. Na mesma tenda que Gil, conduziu a conferência de abertura e pareceu bem mais afinado com a plateia. Na Flip, escritor é celebridade.
Números
Foram contabilizadas 15 mil pessoas em Paraty, nessa quarta-feira, para frequentar as 54 atrações oficiais da feira.