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Paulo Nazareth tem 36 anos, nasceu em Governador Valadares e vive em Belo Horizonte. Tem garantido lugar e prestígio em mostras internacionais com performances rumorosas e fotos com textos questionadores, de encontros ocorridos durante andanças pelo mundo – valendo-se de todos os meios, percorrendo grandes distâncias a pé. Em alguns casos, o percurso vai do Brasil até o local das exposições para as quais é convidado. Correu o mundo imagem do mineiro, diante de uma Kombi, vendendo bananas na feira Art Basel Miami (EUA). Para a Bienal de Lyon (França), que será aberta em setembro, Paulo Nazareth leva 'Caderno de África', resultado de perambulações pelo continente africano.
“Existe a Veneza do glamour, do imaginário, onde é realizada a Bienal, a maior, a mais antiga, referência do lugar da arte, onde ‘todos’ querem ir. É a Veneza da fotografia, do consumo. Estou fazendo exposição em outra Veneza, que não está neste lugar do objeto de desejo, que pouca gente conhece e às vezes tem até medo dela”, observa Paulo, sentado na cozinha da casa do irmão, no Bairro Palmital, em Santa Luzia, onde mora. Cruzar um trecho da favela até o local da exposição é parte do projeto.
“A nossa pequena Veneza é parecida com o Palmital: bem viva, com gente na rua fazendo a vida acontecer”, acrescenta. Credita a fama de violento dos dois locais ao sensacionalismo do jornalismo policial. “Coisas da mídia” , lamenta. O trabalho que vai apresentar chama-se 'Todos os santos da minha mãe'. É reunião de produtos que têm nomes de santo, desde filtro São João até pãozinho San Carlo e correntes São Rafael, exemplifica. “É trabalho sobre disseminação de santos como produtos, no lugar de comércio”, observa.
Vai estar ainda no ponto de cultura mantido pelo artista no Bairro Veneza o vídeo 'Aprendi a rezar em guarani e kaiowá para o mundo não se acabar'. Trata-se de registro de noite passada com índios de Mato Grosso do Sul, numa quinta-feira, “um bom dia para rezar, já que da tarde até o amanhecer estão abertos os portões dos 14 mundos que, para eles, formam o universo”. O “além do material”, explica, é questão importante para o artista. Como a questão da promessa. E o Paulo considera que algumas obras são ex-votos.
Na feira Paulo Nazareth vive desde os 15 anos no Bairro Pamital. “Já morei no Mangabeiras”, brinca, referindo-se a período alojado em sauna de mansão que estava em reforma. Residiu ainda na zona rural de Curvelo (MG) e na favela do Cafezal. “Já fiz de tudo: fui jardineiro, padeiro, agente de saúde e bonequeiro”, conta o artista. Foi fazendo bonecos e vendendo publicações e imagens avulsas, em feira de domingo no Bairro Palmital, que conseguiu manter e comprar o material necessário durante o curso de belas-artes.
O material gráfico, explica, são gravuras e parte importante de sua obra. Com relação ao preço dos trabalhos, conta que é muito variado – “a partir de R$ 0,10 ou de acordo com o bolso de quem se interessa”. Os letreiros que ele apresenta das fotos, assim como as havaianas que usa para caminhar, “são mais caros”. O artista se formou em 2005, em desenho e gravura, na Escola de Belas-Artes da UFMG. Estudou entalhe em madeira com mestre Orlando (1944-2003), e, até o fim do ano, deve realizar mostra com trabalhos próprios e de seu mestre.
As andanças pelo mundo, ao sabor do inesperado, deixa às vezes a família preocupada. “Mando notícias”, observa. “Minha mãe é devota de todos os santos, o que ameniza a preocupação dela, faz com que eu sinta os santos e almas me protegerem e seguir bem”, garante. Foi a devoção da mãe uma das fontes para o trabalho que está nas duas Venezas. O artista não foi a Veneza, na Europa, porque é promessa dele só ir à Europa depois de passar pela África. A mãe, Ana Gonçalves Silva, viajou na sexta-feira, com uma amiga, para representar o filho na Itália.
Paulo Nazareth
• Exposição
Instalação, vídeo e gravuras. Rua Nossa Senhora do Rosário, 36, Bairro Veneza, Ribeirão das Neves. De segunda a sexta, das 10h às 18h. Até 24 de novembro. Ônibus: 6260. Informações e visitas guiadas: (31) 8777-8490 (com Júlio).
• Livro
'Paulo Nazareth, arte contemporânea/LTDA', Editora Cobogó. Edição bilíngue (português/inglês), com mais de 150 imagens e textos de Kiki Mazzucchelli, Maria Angélica Melendi, Hélio Alvarenga Nunes, Walter Chinchilla, Julio Calel, Edgar Calel, Pedro Calel, Janaina Melo e do próprio Paulo Nazareth.
• Internet
artecomtemporanealtda.com.br (com links para outros blogs).
Tamar e Bispo
A artista Tamar Guimarães, nascida em Belo Horizonte em 1967 e radicada em Copenhague, é a outra artista brasileira selecionada para a Bienal de Veneza, que tem ainda a presença da obra de Arthur Bispo do Rosário. Tamar participou do Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP, em 2009; da Bienal de São Paulo, em 2010; e da Bienal de Charjah deste ano. Em seus filmes-obras, expressa um “olhar forasteiro” sobre o Brasil.
Três perguntas para...
Paulo Nazareth, artista plástico
Você vê influencia do Bairro Palmital nos seus trabalhos?
Se não morasse no Palmital minha arte seria outra. Morar aqui é uma opção. O local é criação da Cohab. Mas criaram conjuntos habitacionais com moradias tão precárias, que são piores do que as das favelas. Então, a gente tem que favelizar para melhorar. O gato coloca as patas onde há carência de serviços.
O que você tem visto em suas andanças pelo mundo?
Que as pessoas que menos têm são as que mais abraçam o outro, que têm menos medo do outro, que acolhem. Chamam você para entrar em casa, puxam cadeira, oferecem café, dividem o mundo dela, têm curiosidade em conhecer você. Meu trabalho são imagens desses encontros com várias culturas diferentes. Às vezes, penso que sou um criador de casos afetivos, que levo para contar para outros lá na frente, ou que vão parar nas minhas gravuras e panfletos.
Como você vê o seu trabalho?
Fui aluno de mestre Orlando, fiz entalhe em madeira e pedra. Comecei a fazer uma carranca, mas nunca a terminei. Fiquei pensando: o que faço são carrancas. Não aquela cara, aquele objeto em madeira, mas, de alguma forma, carrancas. Carrancas, dizem, são para afastar os maus espíritos, o olho- grande, quando você vai abrindo caminhos. Dizem que, por isso, carranca tem que ser feia, mas, às vezes, a gente erra e elas não ficam tão feias assim.
Palavra dos curadores
“Paulo é um dos artistas mais complexos e inesperados que surgiu nesta geração. Cria uma economia paralela, vendendo suas obras à comunidade, e também uma realidade paralela, com trabalhos de longa duração."
Hans Ulrich Obrist
“Paulo Nazareth está reinventando a performance. Essas caminhadas de longa duração produzem obras de arte sobre contextos sociais e as pessoas que ele encontra. É um artista imprevisível e ao mesmo tempo incrível."
Gunnar Kvaran