Quem faz teatro em palco sabe bem como é. Marcada a temporada, é a hora daquele frio na barriga. Afinal, será que o público vai comparecer? E a bilheteria, será suficiente para pagar os custos? Veterano quando o assunto é rua, é com bom humor que Chico Pelúcio constatou ao longo do tempo que a angústia de quem se apresenta em espaços abertos como praças, arenas e quadras é relativamente mais simples. A pergunta é: será que vai chover?.
Muito influenciadas pela trajetória do Grupo Galpão, jovens companhias escolhem essa linguagem para o desenvolvimento da pesquisa e têm se surpreendido. Criado em 2006, o grupo Maria Cutia é um dos exemplos bem-sucedidos. “Quando surgimos, queríamos fazer um teatro que fosse simples e que comunicasse com as pessoas”, conta a atriz Mariana Arruda.
O Maria Cutia começou com uma montagem de teatro brincante (Na roda), teve experiência com palhaços (Concerto em ré) e o mais recente, Como a gente gosta, é clássico de Shakespeare, com direção de Eduardo Moreira, do Grupo Galpão. Com o repertório literalmente na bagagem, o Maria Cutia não passa um mês sem se apresentar. Somente em 2012 foram 55 cidades, 12 estados e público de mais de 65 mil pessoas.
Normalmente, o grupo viaja pelo interior de Minas e nos estados fronteiriços em veículos próprios, dirigidos pelos atores. Também são eles os responsáveis pela montagem do cenário, da iluminação e da sonorização do espetáculo. Em geral, a média de público é de 500 pessoas, já tendo alcançado mais de 5 mil espectadores. A próxima montagem da companhia será feita em São Paulo, em parceria com o grupo – também de teatro de rua – Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte.
“Minas é um dos estados que mais produzem para a rua e acredito que hoje estamos tendo uma pesquisa maior”, defende a atriz. Um sinal de que isso realmente está ocorrendo é que companhias habituadas a criações para espaços fechados têm explorado o teatro de rua e gostado. Acontecimento em Vila Feliz , dirigido por Juarez Dias, é uma surpresa boa na trajetória da Cia Pierrot Lunar, com 20 anos de estrada.
A companhia formada por Neise Neves e Leonardo Quintão estava interessada em pesquisar a literatura levada para a cena. Ao se deparar com o conto de Aníbal Machado, a rua pareceu o espaço ideal. Mesmo sendo um dos mais novos do repertório da companhia, Acontecimento… já é um dos que mais circularam por Minas Gerais: 14 cidades. “É uma generosidade de cá pra lá e de lá pra cá. É uma relação de cumplicidade maravilhosa, de estar atento a tudo que está acontecendo. É mais vivo que teatro de palco. Cachorro entra, bêbado quer participar. Você tem que estar propenso a lidar com o que aparecer naquela apresentação”, comenta Neise. Se depender dela, a experiência na rua será repetida.
Democracia Chico Pelúcio, integrante do Grupo Galpão, se diz um incansável entusiasta do teatro de rua. “São espetáculos de maior mobilidade num país em que 98% dos municípios não têm teatro. Quando se fala em democratização, vejo nessa opção do teatro de praça, rua e espaços alternativos um caminho mais do que óbvio para fazer valer essas questões”, diz.
Por pensar assim, há nove anos Pelúcio teve a ideia do projeto Pé na Rua, iniciativa do Galpão Cine Horto criada para incentivar a montagem de espetáculos dedicados a espaços urbanos. Com direção de Mariana Lima Muniz, Fábulas errantes, que será apresentado hoje, às 16h, no Parque Municipal, é o nono fruto do Pé na Rua. Trata-se de homenagem aos clássicos dos irmãos Grimm. A partir de três deles – Pé de Zimbro, Rapunzel e Hans, meu ouriço –, a peça propõe uma experiência pelo universo dos contos de fadas.
Para Chico Pelúcio, o incentivo é urgente, já que o teatro de rua ainda é tratado como o “primo pobre”, quando, na verdade, é o contrário. “É uma miopia dos grupos. Os espetáculos de rua duram mais no repertório e possibilitam mais entrada de grana, pela versatilidade que têm. São peças de linguagem universal”, completa o ator e diretor.
FÁBULAS ERRANTES
Hoje, às 16h, no Parque Municipal, Praça do Sol (Av. Afonso Pena, 1.377, Centro). Dias 6 e 7, às 16h, no Parque Lagoa do Nado (R. Desembargador Lincoln Prates, 240, Itapoã). Entrada franca.
Pelos caminhos do interior Fundador do grupo cênico musical Rasgacêro, de Poços de Caldas, o ator Ricardo Valias não tem dúvidas de que o teatro de rua mineiro encontra-se em um momento de efervescência. O grupo dele, fundado em 2006, está com a agenda praticamente lotada para o próximo mês. Serão 12 apresentações em julho. “Como não chove, a gente procura acelerar as apresentações”, conta.
Em cartaz desde setembro de 2011 com o espetáculo Mambembrasileiros, a trupe comemora os números crescentes. “A nossa média de público é de 1,2 mil pessoas, mas apresentamos semana passada em Carmo do Paranaíba para plateia de 2,5 mil”, conta. Para Ricardo, a busca pelos espectadores é a única maneira de um espetáculo se desenvolver. “Se o pequeno não for para a rua, é bem difícil de ele ser alguma coisa”, diz.
Radicado em São João del-Rei desde 2005, o grupo Manicômicos também não tem do que reclamar. Os pedidos de apresentações não param e com isso vem o estímulo para a inovação de linguagens. Este ano, além da retrospectiva comemorativa dos 15 anos da companhia, também está prevista a estreia de Flor de manacá, no qual adentrarão no universo do circo-teatro. “Acho que a rua nos permite alcançar mais gente. Podemos tocar pessoas que nem pensaram em passar pelo teatro. O encontro com essa plateia é sempre muito legal”, diz o fundador, Juliano Pereira.
PBH não facilita a vida Além da possibilidade de chuva, há outro problema que aterroriza os grupos mineiros que pretendem se apresentar em Belo Horizonte: a burocratização das licenças concedidas pela prefeitura. “Eles exigem que o grupo lide com o Corpo de Bombeiros, a SLU e por aí vai. A prefeitura devia pagar pra gente fazer isso. Já que não paga, deveria pelo menos facilitar a vida desses eventos”, sugere Chico Pelúcio.
Segundo Mariana Arruda, do Maria Cutia, para conseguir uma licença para se apresentar na Praça da Liberdade é preciso uma antecedência de três meses para viabilizar a documentação. “Aí vem um evento de Facebook no mesmo dia que você e faz uma guerra de travesseiros juntando não sei quantas mil pessoas. Eu, como artista de rua, tenho que pedir polícia quando vou me apresentar. É justo? Não sei”, desabafa. Ou seja, não é à toa que até hoje o grupo Rasgacêro não conseguiu se apresentar na capital. “É muito difícil para um grupo pequeno”, diz Ricardo.