Um pesadelo. Não há outra palavra que melhor defina uma pessoa passar quase 20 anos no corredor da morte por um crime que não cometeu. Pois pode ser bem pior, pode ter certeza. Lançado em 2012 nos Estados Unidos e agora no Brasil, Vida após a morte (Editora Intrínseca), de Damien Echols, não poupa nenhum detalhe. O autor, hoje com 38 anos, foi preso em junho de 1993 com os amigos Jessie Misskelley Jr. e Jason Baldwin em West Memphis, Arkansas, pela morte de três escoteiros.
Um ano depois, após julgamento em que foi alegado que o trio havia praticado ritual satânico, eles foram condenados. Somente Echols foi condenado à morte. Em agosto de 2011, sem nunca terem sido ouvidos pelo Estado, foram soltos (Echols se tornou o primeiro homem a deixar o corredor da morte no Arkansas). O caso acabou sendo revisto graças à extrema pressão da opinião pública. O caso de West Memphis teve como porta-vozes nomes como o do ator Johnny Depp, o músico Eddie Vedder e o cineasta Peter Jackson.
Eles só tomaram conhecimento dos abusos sofridos por Echols e seus companheiros graças a um documentário. Executiva da HBO, Sheila Nevins, ao saber do julgamento mais longo da história do sistema penal do estado sulista, resolveu fazer um filme sobre o ocorrido. Chegando ao local, sua equipe deparou-se com indícios de que havia muita coisa errada na história. Dessa maneira, surgiu Paradise lost, dirigido por Joe Berlinger e Bruce Sinofsky. Não um, mas três documentários (lançados em 1996, 2000 e 2011, este último indicado ao Oscar e ao Emmy).
Ou seja, boa parte da luta de Echols para provar sua inocência foi feita, de certa forma, sob os holofotes. Mas o que ele retrata nas 400 páginas do livro é de uma solidão sem fim. E Vida após a morte vai muito além de detalhes sórdidos do que a não vida (a ironia é obrigatória após ler o relato do autor) dele pode trazer. Echols deixou a escola aos 17 anos. Na prisão, leu centenas de livros de toda natureza. E escreveu seus diários (boa parte “perdidos” pelo sistema carcerário), numa escrita crua, doída e extremamente bem contada. Seus méritos como escritor são inegáveis e, apesar de ser bastante incômoda, a leitura flui facilmente.
A verdade é que o pesadelo de Echols não começou na prisão. Vindo de um ambiente miserável (sim, miserável, mesmo sendo nos EUA, é tão miserável quanto em qualquer outro lugar do mundo), sofreu com família disfuncional (sua única irmã era abusada constantemente pelo padrasto, um fanático religioso, casado com uma mãe ausente e imprestável), viveu de maneira sórdida (barracos fétidos empestados de ratos e baratas), passou fome e um monte de etcéteras, todos negativos.
Daí para a acusação injusta e os anos de privação de liberdade convivendo com os piores tipos possíveis (durante o período em que esteve preso, houve quase três dezenas de execuções) foi um pulo. A narrativa é cronológica, porém entremeada por flashbacks. Em meio à descrição de seus primeiros companheiros de cela, por exemplo, Nichols fala de seu interesse pelo budismo, e de como a prática obsessiva de meditação se tornou companheira nos tempos de privação.
Há algum respiro na narrativa, como nos escritos sobre a vida comum de um adolescente que descobre a música e o sexo, até o relacionamento com sua mulher (uma arquiteta de Nova York que começou a se corresponder com ele, ainda nos anos 1990). Afora tudo isso, ainda há o lado denúncia do livro, em que o autor expõe todas as irregularidades do sistema judiciário. Em Vida após a morte Nichols consegue emocionar – indignação ou choque são os sentimentos mais comuns que ele desperta. Mas pena, definitivamente, não. Não há como não admirar um homem que conseguiu voltar do mundo dos mortos.