Dois artistas, dois irmãos: Nello Nuno (1939-1975) e Eliana Rangel (1941-2003). Nome de referência das artes visuais em Minas Gerais, ele é pintor celebrado, mas pouco conhecido – e menos ainda estudado. Autora de obra que se valeu da abstração, ela investigou as relações entre matéria, cor e superfície. Ambos acabam de ganhar livros escritos pelo crítico Márcio Sampaio, que foi casado com Eliana. O lançamento será amanhã, em Ouro Preto, com direito a pequena – e preciosa – exposição.
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Autodidata, Nello se formou por meio dos livros de arte e de obras literárias. Carinhoso com os filhos, era homem alegre, generoso e tranquilo – o que se vê nas cores de seus quadros. “Muito boêmio, ele me acostumou a não esperá-lo para jantar, a ouvir o ‘vou ali e volto já’ e só aparecer no dia seguinte. Sofri, mas o achava um artista tão genial que compreendi: meu marido precisava do tempo dele”, diverte-se a viúva.
Nello tinha uma postura tão relaxada diante da vida que qualquer um – pessoas simples, intelectuais, pobres ou ricos – sentia vontade de conversar com ele, relembra Anna Amélia. “Gostava de qualquer assunto, tinha humor e era supercarismático. Amigos vinham de Belo Horizonte para Ouro Preto, onde moro até hoje, só para tirar uma prosa. Adorava ir ao Bar do Tóffolo para ler jornal e jogar xadrez. Era ótimo no xadrez e tinha mesa cativa lá”, recorda.
Terapia Apesar de otimista, Nello enfrentou momentos de infelicidade que o fizeram procurar a terapia. Amigos chegaram a criticá-lo, temendo que a análise prejudicasse sua criatividade. “Não concordo, acho que a terapia ajudou. A arte dele ficou incrível”, defende a viúva. Na opinião dela, justamente desse período surgiram as melhores obras do marido, como as realizadas pouco antes de ele morrer.
Nello teve um amigo ilustre que o ajudou nos momentos difíceis: o escritor Murilo Rubião. O pintor ilustrou vários textos do escritor e foi influenciado por ele – sobretudo nos quadros em que experimentou a estética ligada ao fantástico.
Anna Amélia está feliz com o livro sobre o legado do marido, mas sonha com uma ampla retrospectiva de seus trabalhos. “Adoraria que a cidade de Viçosa voltasse a promover o Salão Nello Nuno”, acrescenta, referindo-se ao evento organizado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). “Um salão com formato mais tradicional é ótima oportunidade para quem está começando a carreira”, acredita.
Oportunidade A pequena exposição de trabalhos de Nello Nuno e Eliana Rangel no Museu Casa dos Contos dará ao público a chance de conhecer a obra dos irmãos. O crítico Márcio Sampaio diz que a mostra vai ressaltar e reconhecer as qualidades e a originalidade de cada um.
Embora criações independentes e um tanto diversas, as obras de Nello e Eliana têm linguagens e temas próximos. “O conjunto apresenta alto teor poético e expressivo. O público poderá ver ali ressonâncias afetivas, o diálogo entre o trabalho dos irmãos”, conclui Sampaio.
EM OURO PRETO
Lançamento dos livros 'Nello Nuno: a poética do cotidiano' e 'Eliana Rangel, construções afetivas', de Márcio Sampaio. Amanhã, às 19h, no Museu Casa dos Contos, Rua São José, 12, Centro Histórico de Ouro Preto. Informações: (31) 3551-1444. Entrada franca. Exposição com obras dos irmãos ficará em cartaz até 2 de junho.
Unidos na arte
Netos do escritor Godofredo Rangel, Nello Nuno e Eliana Rangel nasceram em Viçosa, na Zona da Mata mineira. Ainda crianças, os irmãos se mudaram para Belo Horizonte com o pai, o médico Nello de Moura Rangel, catedrático da Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Eliana trabalhou como técnica de laboratório da Escola de Medicina da UFMG e atuava como desenhista e ilustradora de obras científicas. Orientada inicialmente por Nello e a cunhada, Anna Amélia Lopes, ela começou a transpor a experiência na área científica para o campo da arte. Primeiro trabalhou com o desenho e depois se dedicou à pintura.
Pintor, desenhista, ilustrador e professor, Nello Nuno conviveu em BH com os artistas plásticos Maria Helena Andrés, Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso, Jarbas Juarez, Eduardo de Paula e Chanina. Morou em Lagoa Santa, já casado com Anna Amélia. Em 1965, o casal se mudou para Ouro Preto e criou escola ligada à Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop).
Professor da Faop e das escolas Guignard e de Belas-Artes da UFMG, Nello morreu aos 35 anos, no auge da carreira. A causa teria sido botulismo contraído em patê ingerido durante noitada regada a vinho em Lagoa Santa, com amigos – entre eles o escultor Amilcar de Castro. Há quem assegure que a meningite matou o pintor.