São Paulo – A arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi tinha um jeito direto de dizer o que pensava. Em 1964, já vivendo no Brasil havia quase duas décadas, ela foi convidada a apresentar na Itália o projeto do Museu do Mármore para a Toscana, perto da região de Carrara. Não pôde ir por conta do conturbado contexto do golpe militar brasileiro. “Aqui a situação é complicada e tenho grandes responsabilidades no Nordeste. Fiz esboços em Milão, rapidamente”, escreveu, naquele ano, a arquiteta a um dos comissários do projeto.
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A carta da arquiteta, escrita em italiano, está entre os seis mil documentos e cerca de 17 mil fotografias que formam o Arquivo Documental Lina Bo Bardi – preciosidade para pesquisadores que até então estava abrigada em caixas, sem nenhum tipo de organização. O material está disponível para o público a partir deste mês.
“São arquivos complexos, de uma época em que não existia computador. Portanto, as pessoas usavam telegramas, quando absolutamente necessário, e cartas. E Lina estava acostumada a anotar. Anotava tantas coisas, até seus pensamentos, por isso é interessante”, diz Anna Carboncini Masini, uma das diretoras do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi.
Foi necessário um ano e meio de trabalho intenso para catalogar e fotografar os documentos e imagens referentes ao arquivo pessoal e de trabalho da arquiteta, projeto realizado com cerca de R$ 250 mil cedidos ao Instituto Lina Bo e P.M. Bardi pela Petrobras.
Por meio de um edital da Fapesp, foi possível colocar todo o material em móveis e mapotecas especiais agora abrigados em dois quartos de serviço da Casa de Vidro, no Bairro do Morumbi, patrimônio tombado de arquitetura, local que Lina projetou e construiu para viver com seu marido, o historiador Pietro Maria Bardi, ex-diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Os visitantes da Casa de Vidro, conservada fielmente à maneira como nela viveram Lina e Pietro (com móveis desenhados pela arquiteta e mesclando obras das artes erudita e popular), encontrarão, depois da cozinha da residência, os pequenos quartos de serviço nos quais estão as mapotecas com os documentos e fotografias catalogados. É uma surpresa poder manusear revistas da vanguarda europeia, como exemplares da holandesa Wendingen, ou edições japonesas trazidas da Itália pelo casal de italianos que se naturalizou brasileiro.
ARTE POPULAR
Outra curiosidade entre escritos, inclusive referentes a projetos não concretizados, como o do Museu à Beira do Oceano, de 1951, para São Vicente (SP), é a documentação que Lina Bo Bardi organizou espontaneamente sobre arte popular, uma de suas bandeiras.
O próximo passo será a digitalização do arquivo documental. “Os 7,5 mil desenhos de Lina, entre projetos elaborados e esboços, já estão arrumados, catalogados e acondicionados em mapotecas. Terminamos agora esse projeto e as obras foram fotografadas”, conta Anna Carboncini. Segundo a diretora, há interesse crescente – inclusive de pesquisadores estrangeiros – em torno de Lina Bo Bardi, que terá o centenário de seu nascimento comemorado em 2014.
O Centro Pompidou da França tenta, há anos e avidamente, adquirir para seu acervo conjunto de desenhos da arquiteta que projetou o Masp, o Sesc Pompeia e o Solar do Unhão, na Bahia. Há a necessidade de também catalogar o arquivo de Pietro Maria Bardi que está abrigado na Casa de Vidro (outra grande parte dos documentos e livros do historiador foi doada ao Masp).
CASA DE VIDRO
Projetada em 1951 por Lina Bo Bardi, a residência paulistana da arquiteta e do marido, Pietro Bardi, é considerada obra paradigmática do racionalismo artístico do país. Esse patrimônio nacional abriga o Arquivo Documental Lina Bo Bardi, que está disponível, a partir deste mês, para pesquisadores, mediante agendamento por meio do e-mail pesquisa@institutobardi.com.br. Um guia com todo o material disponível, dividido por projetos e períodos, pode ser acessado por meio do site www.institutobardi.com.br. Exemplares impressos também serão distribuídos a instituições e bibliotecas.
CASAL 20
. Il professore
Marchand, jornalista, crítico e historiador de arte, Pietro Maria Bardi (1900-1999) nasceu na Itália e se naturalizou brasileiro. Ele trouxe para o país, em parceria com Assis Chateaubriand, obras de artistas importantes como Renoir, Ticiano, Rafael, Van Gogh, Modigliani, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne e Picasso, abrigadas no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Bardi comandou essa instituição de 1946 a 1990. Bardi teve papel de destaque para a consolidação da arquitetura e do design no Brasil.
. Dona Lina
Nascida na Itália e naturalizada brasileira, Lina Bo Bardi (1914-1992) era arquiteta, designer, cenógrafa, editora e ilustradora. Atuante em vários setores, ela introduziu importantes inovações estéticas na arquitetura brasileira. Lina chegou ao Brasil em 1946 acompanhando o marido, Pietro Bardi, convidado pelo empresário Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, para comandar o Museu de Arte de São Paulo. Ela projetou o prédio da instituição, na Avenida Paulista, cujo vão livre de 70 metros era o maior do mundo na época de sua construção. A multiartista de esquerda trabalhou na restauração de prédios históricos em Salvador e “fez a cabeça” de muitos artistas de talento – entre eles Caetano Veloso e Maria Bethânia.