O flerte com o mundo esportivo é evidente. Fala-se em campeonatos, treinos, jogadores, juízes, partidas e até mesmo em tática. Porém, os embates não se dão na quadra. O palco é o lugar do jogo da improvisação – ou impro, como dizem os “atletas profissionais”.
Esse é o nome da metodologia criada nos anos 1960 por Keith Johnstone. A cada dia, a impro ganha adeptos e contribui para a renovação da cena artística, atraindo o público jovem. Nem a TV escapou: programas como É tudo improviso ou Esta noite se improvisa levaram a moda para a telinha.
“Abrir-se para o imprevisto parece ser necessidade da sociedade atual. As artes acabam revelando isso tanto em seus processos quanto no compartilhamento da criação com o público”, explica a diretora Mariana Muniz, pioneira na prática em Minas. “O teatro de improvisação ainda não é encarado como gênero. Classificado como uma forma menor, ele ainda tem muito caminho pela frente. As pessoas que embarcarem nessa vão partir para um projeto de futuro”, aposta Dinho Valladares, da Cia. de Teatro Contemporâneo do Rio de Janeiro.
Mariana Muniz explica que impro não é técnica única nem exclusividade daqueles que praticam teatro do improviso. Está presente nas artes contemporâneas, seja na dança, no teatro ou no circo. Vem sempre acompanhada de muito riso e risco. Em Belo Horizonte a Uma Companhia, de Débora Vieira, Diogo Horta, Hortência Maia e Mariana Vasconcelos, destaca-se na pesquisa dessa prática.
Criado em 2006 por formandos do curso de artes cênicas do Palácio das Artes, o grupo mantém no repertório tanto montagens focadas nos jogos de improviso, como Match de improvisação e Improcedente, quanto espetáculos que misturam a técnica à dramaturgia teatral, como Dos Gardenias Social Club e Sobre nós.
“A improvisação tem pedagogia muito transformadora”, comenta Débora Vieira, autora de dissertação de mestrado sobre o tema. O jogador deve, no mínimo, abrir-se para o inesperado. Não se trata de subir ao palco e fazer qualquer coisa. A boa improvisação teatral exige técnica.
Em parceria com a Spetaculo Casa de Artes, a Uma Companhia mantém escola de impro em Belo Horizonte. Marko Novaez, dono do espaço, é um dos alunos. “A improvisação tem dois lados muito interessantes: é uma história diferente e você precisa de técnica para manter isso. Estar sempre criando me seduz”, diz ele. Em agosto, a Spetaculo recebeu o primeiro campeonato mineiro do gênero.
No Rio
Em 9 e 10 de novembro, o campeão mineiro disputará o título brasileiro no Rio de Janeiro. A prova de que se trata de algo realmente novo é o fato de a trupe vencedora ter sido criada para participar do evento. A equipe Nada Sincronizado reúne alunos do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais: Lucas Fabrício, Maria Bonome, Nathy Pimenta, Júlia Camargos e Rayane Martins.
“O que me seduz é o lugar do jogo, da brincadeira. Você precisa estar por inteiro nesse encontro. É difícil conquistar isso em outros espaços do teatro. Tudo vira cena. É muito gostoso, mesmo quando dá errado”, conta a atriz Maria Bonomi.
A regra é: vale tudo – antes, durante e até depois do espetáculo. Diferentemente da dramaturgia convencional, não há ensaio, mas treino. “Não ensaiamos porque não tem roteiro. É aquela coisa: treino é treino, jogo é jogo”, brinca Débora. “A tática infalível é aceitar a proposta do outro. Não há nada pronto. Não dá para marcar a jogada e ensaiar antes”, completa Diogo Horta, também da Uma Companhia.
Lucas Fabrício garante: a Nada Sincronizado tem chance de voltar para casa com o título nacional. Os atores são treinados por Rafael Protzner. “Queremos levar esse aprendizado para outras áreas. Entrar no palco sem saber o que fazer é um grande desafio para qualquer ator”, conclui.
Fimpro
Em março, será realizada nova edição do Festival Internacional de Improvisação (Fimpro). Criado em BH, o evento chegará a 10 cidades pelo programa Vivo EnCena. O objetivo é ampliar a visão que público e artistas têm da prática, articulando-a com outras áreas artísticas. A inclusão do universo digital será uma das marcas da próxima edição.
Três perguntas para...
Mariana Lima Muniz, coordenadora do Fimpro
O que caracteriza a técnica de improvisação?
A metodologia tem como base a escuta do momento presente e a adaptação às propostas do outro, seja ele o público, o espaço ou o companheiro de cena. A partir dessa escuta, os improvisadores vão construindo um jogo cênico diante do espectador, que passa a ser coautor e pode interferir diretamente nos desdobramentos da história improvisada.
Que elementos não podem faltar?
A disponibilidade para o imprevisto e para o jogo. E o risco. Improvisadores acabam se acomodando a determinados jogos muito conhecidos. Com o tempo, eles passam a ser mera repetição de fórmulas aprendidas, perdendo o espírito do improviso e da espontaneidade. É preciso sempre sair da zona de conforto e voltar a “jogar perigosamente”. O público agradece, pois sente que o que está sendo construído em cena realmente é único.
O que marca a improvisação feita em Minas?
A pesquisa. Diversos coletivos, entre os quais se destaca a Uma Companhia, são capazes de mostrar uma cena contemporânea improvisada diferente do que se vê nos jogos da televisão brasileira. Parte dos mineiros está estudando o tema na pós-graduação em artes da UFMG, fazendo de Minas um foco importante do pensamento sobre essa prática.