Pense no clássico Cantando na chuva com Gene Kelly dançando sem a melodia contagiante de Singin'in the rain. Imagine a minissérie Anos dourados sem a linda canção de Tom Jobim e Chico Buarque. O que seria do filme Jango sem a melodia de Coração de estudante, que o Brasil sabe cantar de cor?
O Festival Musimagem, que chega à sétima edição nesta segunda-feira (23/08), vai discutir a importância e o futuro das trilhas sonoras, reunindo compositores, especialistas e músicos.
Detalhe: há tempos as trilhas deixaram de ser monopólio do cinema e da TV, brilhando também em games eletrônicos.
ELENCO
Convidados de peso participarão do evento on-line. O "elenco" reúne Edu Lobo, autor da trilha dos filmes O grande circo místico e O Xangô de Baker Street, Wagner Tiso (Jango e Os desafinados), Heitor Pereira (AngryBirds, Smurfs e Minions), John Ottman (X-Man e Superman, o retorno), Ivan Martínez Lacamara e Manel Santisteban (La casa de papel), Richard Band (Re-Animator - A hora dos mortos-vivos) e Craig Safan (O último guerreiro das estrelas e Cheers).
A agenda terá atrações especiais para o público, que poderá participar de uma série de cursos, informa o compositor e pianista Marcos Souza, diretor-executivo do Musimagem.
"Em 2020, fizemos nossa edição on-line, mas baseada no presencial, com lives, debates importantes e concerto. Este ano, não bastaria nos transportarmos para o virtual. Como criadores, pensamos em algo diferente, tecnológico. A nossa nova plataforma contará com games interativos e realidade aumentada", informa.
GAMES
Até domingo (29/09), serão promovidos debates, workshops e apresentações, além de disponibilizados games interativos. O evento faz parte da programação do aniversário de oito anos do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Parceira de várias edições do Musimagem, a Orquestra Ouro Preto, regida pelo maestro Rodrigo Toffolo, fará concerto com criações dos compositores convidados, que será transmitido pelo YouTube e na plataforma do festival.
Outra atração, anuncia Marcos Souza, é o "Cinema virtual". Trata-se de uma sala onde se exibirão filmes cujas trilhas serão comentadas pelos autores.
O compositor Tim Rescala, parceiro desde a estreia do festival, criou o projeto Música certa, na cena certa. Depois de assistir a um filme antigo, o público terá à disposição cinco temas para decidir qual deles é o adequado a determinada cena. "Fomos nós que fizemos essas trilhas. São várias cenas de filmes antigos", adianta Marcos.
Outra atração idealizada por Rescala é o jogo lúdico em que o público é convidado para um "passeio 360 graus", no qual vai ao "estúdio" com a missão de colocar áudio em filmes. "Queremos divertir, informar e interagir com as pessoas", diz Souza.
ESPANHA
Filho do compositor mineiro Chico Mário (1948-1988), sobrinho do cartunista Henfil (1944-1988) e do sociólogo Betinho (1935-1997), o idealizador do festival trouxe a ideia da Espanha, onde morou.
Em 2015, Marcos Souza assumiu a presidência da Musimagem, associação que visa divulgar o trabalho dos compositores de audiovisual.
A edição deste ano vai homenagear o carioca Sergio Saraceni com o Troféu Remo Usai. Durante 40 anos, esse compositor, arranjador e produtor se dedicou à criação de trilhas sonoras para filmes, novelas e séries.
Anos dourados, Roque Santeiro, A muralha, Belíssima, Nunca fomos tão felizes, Anchieta José do Brasil, Ao sul do meu corpo e Tenda dos milagres são alguns dos trabalhos dele.
Saraceni, de 68 anos, se aposentou em 2014. "Tenho carreira longeva no cinema e na televisão, onde sempre procurei valorizar os colegas, o trabalho dos músicos. Afinal, era uma época em que havia pouca valorização da música audiovisual, que hoje está muito difundida. Me sinto honrado com a lembrança", afirma o carioca.
A Orquestra Ouro Preto vai interpretar uma peça que ele compôs para a minissérie A muralha, da Rede Globo. Exibida em 2000, a produção tem Tarcísio Meira no papel principal.
Ao definir sua profissão, Sergio Saraceni diz que o ofício tem "95% de transpiração de 5% de inspiração". E ressalta o ritmo intenso da televisão, sobretudo da TV Globo, e do sets de filmagem no competitivo mercado audiovisual contemporâneo. "É a mesma coisa no cinema. Ele trabalha com prazos e orçamentos reduzidos, de maneira que você se via ali, trabalhando ao piano. Mas hoje já há computadores e outros recursos", comenta.
Pandemia paralisou o setor
O processo de criação de trilhas sonoras é o tema da mesa-redonda Compositores brasileiros, que reunirá Wagner Tiso e Edu Lobo, com a mediação de Felipe Radicetti, na próxima sexta-feira (27/08).
Pianista, arranjador e maestro, ao longo de seus 60 anos de carreira Wagner Tiso compôs mais de 30 trilhas para cinema, TV e teatro.
O sócio-fundador do Clube da Esquina explica que há diferença entre compor uma trilha e uma canção.
"Às vezes, acordo já com a música na cabeça, é questão do estofo de cada um. Mas, no filme, é muito bom quando lhe dão uma ideia, uma cena, um tipo de personagem. Aí você faz música em cima daquilo", afirma.
Um personagem violento, calmo, tranquilo, doce, amargo - isso tudo vai para a ideia da trilha. Há o momento da cena, seja ela violento ou calma. Quando se faz trilha, recebe-se o pedido para determinada cena. Por outro lado, quando o compositor acorda com a música na cabeça, é o sentimento puro dele", conta Wagner Tiso.
ESPERA
Atualmente, o mineiro não compõe trilhas, devido à pandemia. "Ninguém está fazendo filme. Acho que em 2022 tudo voltará a funcionar direito", diz. "Faço uma live aqui, outra ali, mas, para valer mesmo, temos de esperar."
Tiso é autor de Coração de estudante, clássico da MPB, parceria com Milton Nascimento. A melodia dessa canção é o Tema para Jango, que fez parte do documentário Jango, de Silvio Tendler, lançado em 1984. "O Bituca fez a letra e ela se tornou Coração de estudante", comenta Wagner.
Na opinião do experiente compositor e instrumentista, "se não há uma letra, a música fica perdida no filme".
Tiso compôs também outro tema de Jango para a cena do comício na Central do Brasil. "Aí o Milton fez a letra, que se tornou a canção Casa de amor. Ele botou uma letra que não tinha nada a ver com o filme, mas foi o que ele sentiu lá", explica.
O último filme para o qual Wagner Tiso compôs foi Os desafinados, de Walter Lima Jr. "Ele tem pelo menos umas cinco músicas minhas, com letras do Ronaldo Bastos."
Companheiro de mesa-redonda do mineiro, Edu Lobo fez várias trilhas sonoras. Trabalhou com os cineastas Cacá Diegues (O grande circo místico, 2018), Miguel Faria Jr. (O Xangô de Baker Street, 2001) e Sérgio Rezende (Guerra de Canudos, 1997, desta vez em parceria com Cristóvão Bastos).
FESTIVAL MUSIMAGEM
SEGUNDA (23/08)
>> 20h30 - Abertura
• Lançamento de experiências interativas, que ficarão disponíveis durante o festival.
SEXTA (27/08)
>> 9h - Inauguração do "Cinema virtual"
• Exibição de curtas-metragens e depoimentos de autores das respectivas trilhas sonoras.
>> 10h - Compositores da Europa
• Autores falam de seu processo criativo. Com Ivan Martínez Lacamara e Manel Santisteban (Espanha), de La casa de papel. Mediador: Luis Ivars.
>> 13h - Mulheres no audiovisual
• Com Vivian Aguiar-Buff (Dreamworks), Amanda Lopes (site mulheres no audiovisual), Luíza Alvim (pesquisadora), Rosane Svartman (diretora), Marion Lemonier (Globo News) e Vivian Aguiar-Buff (Dreamworks).
>> 16h - Bruce Broughton
• Palestra do músico americano, compositor da trilha do filme Silverado.
>> 19h - "Compositores brasileiros"
• Com Wagner Tiso e Edu Lobo. Mediação: Felipe Radicetti.
>> 20h30 - Prêmio Remo Usai e Concerto Musimágicos
• Homenagem a Sergio Saraceni.
SÁBADO (28/08)
>> 10h - Oficina "O que você sente quando ouve isto"
>> 13h - "Trilhas musicais de Moacir Santos"
• O trabalho do compositor pernambucano radicado nos EUA. Debate sobre o livro Entrevistas com compositores brasileiros de música para audiovisual e dramaturgia.
>> 16h - Debate: "Ainda faz sentido a gravação de CDs e LPs de trilhas sonoras?"
• Com Robert Townson (Canadá/EUA), Mikael Carlsson (Suécia), Marcos Souza e João Batista Melo (Brasil).
>> 19h - "Música de fantasia, suspense e terror no cinema"
• Com Richard Band (EUA).
>> 20h30 - "Quatro décadas de trilhas para filmes e séries em Hollywood"
• Com Craig Safan (EUA).
DOMINGO (29/08)
>> 10h - "Festivais de trilhas sonoras: passado, presente e futuro"
• Mesa-redonda com Robert Piaskowski (Polônia), Diego Navarro (Espanha), Marcos Souza (Brasil) e Gorka Oteiza (Espanha).
>> 13h - Oficina de criação dinâmica para games
• Com Antonio Teoli (Brasil).
>> 16h - "O processo criativo de Heitor Pereira"
• Duas horas dentro do estúdio do compositor das trilhas de Meu malvado preferido e AngryBirds.
>> 19h - A carreira de de John Ottman
>> 20h30 - Concerto de encerramento
• Com Orquestra Ouro Preto.
Informações e programação completa: https://festival.musimagembrasil.com/
CURSOS
SEGUNDA (23/08)
>> Das 10h às 12h – “O que é
trilha sonora?”
Com o compositor Felipe Radicetti.
TERÇA (24/08)
>> Das 10h às 12h – “Tecnologia musical”
Com o compositor Rafael Vicole.
QUARTA (25/08)
>> Das 10h às 12h –
“Design de som”
Com Fernando Aranha, graduado em cinema e mestre em design de som.
QUINTA (26/08)
>> Das 10h às 12h –
“Música para cinema”Com o compositor Alexandre Guerra