Uai Entretenimento

CINEMA

Tarsila é tema de produção internacional com estreia prevista para 2022

Vencedora do Oscar pelo papel de Édith Piaf, a francesa Marion Cotillard tem em comum com Tarsila o engajamento em causas sociais - Foto: Europa Filmes/divulgação
Figura central do Modernismo brasileiro, a pintora paulista Tarsila do Amaral (1886-1973), autora de “Abaporu” (1928), a icônica tela que resume as propostas do movimento, terá sua vida filmada pela cineasta Daniela Thomas em coprodução assinada pelo brasileiro Cláudio Kahns, da Tatu Filmes, e o inglês Simon Egan, da Bedlam Productions, ganhador de um Oscar com “O discurso do rei”, dirigido por Tom Hooper e produzido por ele em 2011.



Apesar de Kahns e Egan terem produzido vários documentários, o filme, ainda sem título definitivo, será uma obra ficcional e deve estar pronto em 2022, a tempo de comemorar o centenário da Semana de Arte Moderna.

Alguns nomes circulam entre os prováveis intérpretes dos protagonistas da história da pintora, a mais cara do Brasil – há dois anos, o Museu de Arte Moderna de Nova York pagou US$ 20 milhões por sua tela “A lua”, de 1928.

Tarsila pode ser interpretada pela francesa Marion Cotillard, vencedora do Oscar em 2008 por sua atuação em “Piaf – Um hino ao amor”, de Olivier Dahan, no papel da cantora Édith Piaf (1915-1963). A atriz, aliás, tem muito em comum com Tarsila: une a elegância das grandes grifes (usa Dior e Chanel) com a militância política (apoiou o cacique Raoni na luta contra a construção da usina de Belo Monte e ajuda o Greenpeace).




BANCARROTA 

Egan e Kahns não confirmaram o contrato, mas o inglês acha que a atriz seria escolha acertada. A ligação de Tarsila com a cultura francesa foi intensa desde a infância, quando o pai fazendeiro contratou uma preceptora belga para lhe dar aulas – isso muito antes de a família ir à bancarrota.

Paris foi o berço da modernidade de Tarsila, aluna do pintor Léger. Ela se vestia com o melhor estilista francês dos anos 1920, Paul Poiret (1879-1944), patrono das artes, de quem era amiga. Poiret costumava expor obras dos protegidos em seu ateliê de costura – era muito ligado a Brancusi, Matisse e Delaunay.

O segundo marido da pintora, Oswald de Andrade, mentor da Semana de 22 ao lado do escritor Mário de Andrade, poderá ser vivido por Wagner Moura, se depender da vontade de Cláudio Kahns. “O elenco ainda não está fechado”, diz o produtor. Ele e o colega inglês Simon Egan pensam em atores com apelo popular.



Kahns não pretende que o filme sobre Tarsila seja hermético e vanguardista como “O homem do pau-brasil” (1982), de Joaquim Pedro de Andrade, abordagem intelectual e não linear da vida de Oswald de Andrade. Ali, Tarsila é reduzida a artista milionária em busca de aventura que partiu com o dramaturgo para Paris.

Simon Egan é casado com uma brasileira e tem duas filhas – uma delas, Lara, quebrou a estatueta do Oscar do pai. O produtor quer evitar estereótipos, até mesmo porque Tarsila, depois da falência dos pais e do casamento com Oswald, conheceu um médico comunista, o psiquiatra Osório César, e se converteu ao realismo socialista.

“Tarsila era mulher sofisticada, elegante, muito além de seu tempo, genuinamente empenhada em encontrar na pintura elementos para traduzir suas contradições e retratar o Brasil”, afirma.

De fato, quando estava em Paris pintando “A caipirinha” (1923), arrematada num leilão em dezembro por R$ 57,5 milhões, ela escreveu aos pais comunicando a criação de uma pintura com reminiscências de sua infância na fazenda. Em resumo: queria ser de novo a “caipirinha” da província, não mais a socialite que desfilava Poiret.





MATA VIRGEM 
Vale lembrar que, em novembro de 1923, Mário de Andrade pediu a Tarsila que voltasse ao Brasil: “Abandona o Gris (o pintor cubista espanhol Juan Gris) e o Lhote (André Lhote, seu professor), empresários de criticismo decrépito e estetas decadentistas, vem para a mata virgem, onde não há arte negra”.

De acordo com Simon Egan, “é certo que, por aquela época, a arte negra não era mais mistério para Tarsila, pois cubistas como Picasso haviam redescoberto a arte africana primitiva”. Porém, o produtor observa: “Isso não quer dizer que Tarsila tenha sido influenciada por eles para criar sua pintura antropofágica, inspirada por Oswald.”

O produtor inglês afirma que a brasileira é exemplo de originalidade na arte latina. “Ela não pode ser comparada a nenhum outro artista latino, nem mesmo a Frida Kahlo, que também era politicamente engajada.”



O filme será rodado na França, informa Kahns. Porém, como o roteiro vai privilegiar a relação de Tarsila com o núcleo modernista – Oswald, Mário de Andrade, Anita Malfatti e o poeta Menotti del Picchia –, a maior parte das filmagens ocorrerá no Brasil.

“Queremos acentuar a ligação de Tarsila com o país, mostrá-la como pioneira da revolução feminista no Brasil, mulher privilegiada que nasceu rica e decidiu se voltar contra as convenções da sociedade tradicionalista e conservadora”, acentua Simon Egan.

A Inglaterra, reconhece o produtor, foi berço de muitas mulheres emancipadas, de Millicent Fawcett a Virginia Woolf, mas nenhuma comparável ao revolucionário apetite antropofágico de Tarsila. “Ela criou o próprio movimento, não foi atrás de ninguém”, resume o produtor inglês.



OSCAR 

Sem esconder a intenção de agregar mais um Oscar à sua coleção, Egan diz que o filme sobre Tarsila é dirigido especialmente ao público estrangeiro. “Queremos contar a história, que pouca gente fora do Brasil conhece, sobre a pintora presente em grandes acervos”, diz, referindo-se ao MoMA, em Nova York, e a Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia, entre outros museus.

Simon Egan e Claúdio Kahns investirão US$ 5 milhões no filme. Kahns diz que a parte brasileira da produção custará US$ 3 milhões. O longa será rodado no Brasil, na França e na Bélgica – ou Hungria, dependendo das negociações em Cannes.