“Meu quintal é maior do que o mundo” é um dos mais célebres versos de Manoel de Barros (1916-2014). Pois um conterrâneo do poeta, o realizador mato-grossense Madiano Marcheti, de 32 anos, leva para o cinema, em sua estreia em longas-metragens, pensamento semelhante.
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A personagem-título é uma figura ausente, pois é a descoberta do cadáver de Madalena que detona a narrativa. Encontrado em uma plantação de soja, o corpo da mulher trans se torna um elo para os três protagonistas da história. Luziane (Natália Mazarim), Bianca (Pamella Yule) e Cristiano (Rafael de Bona) são jovens e não se co- nhecem. Têm realidades socioculturais diferentes, mas em algum momento cruzaram com Madalena.
O longa foi rodado em Dourados, no Mato Grosso do Sul. O elenco é todo do Centro-Oeste, também a região de Marcheti. O realizador nasceu em Sinop, Mato Grosso, cidade para onde os pais dele, do Sul do país, se mudaram. Nos anos 1970, incentivados pelo governo militar, trabalhadores, principalmente do Paraná, participaram da onda migratória de ocupação da região amazônica do Mato Grosso.
Quarenta e seis anos depois de sua fundação, Sinop é pilar do agronegócio, com ênfase na produção de soja e milho. Com 150 mil habitantes, tem o quinto Produto Interno Bruno (PIB) de seu estado. “É uma cidade rica, mas ao mesmo tempo muito desigual, pois nem todos têm acesso a tudo. Além disso, tem um processo histórico muito controverso, por exemplo, em relação aos povos indígenas, que tiveram que ser retirados. Mesmo tendo orgulho de onde venho, de gostar do lugar, não consigo deixar de vê-lo criticamente”, comenta Marcheti.
Ele já não vive há uma década em Mato Grosso. Estudou cinema na PUC Rio, depois se mudou para São Paulo e, por causa do trabalho do marido, está de mudança para Maputo, Moçambique, onde ficará por um ano.
“O filme é sobre os três personagens que estão conectados com Madalena e como cada um responde à ausência dela. Fala muito sobre violência, obviamente, mas também como você se coloca em relação à brutalidade. É uma história que faz um apelo pela empatia”, continua Marcheti.
A seleção para Roterdã vem sendo comemorada, ainda que a distância. “Tem uma parte de mim que está triste, porque depois de tantos anos fazendo o filme, vou perder a reação do público (não haverá sessões presenciais no evento holandês).
Mas para a visibilidade do filme, participar do festival é ótimo, ainda mais porque é um evento difícil de entrar”, acrescenta o realizador. Marcheti vai passar 2021 trabalhando no roteiro de seu segundo longa, Mãe de ouro, sobre o garimpo ilegal e suas consequências ambientais em Mato Grosso.
Do Brasil, há outra produção concorrendo em Roterdã. Carro rei, de Renata Pinheiro, foi selecionado para a mostra Big Screen Competition. Ambientado em Caruaru, Pernambuco, o longa acompanha Uno (Luciano Pedro Jr.), jovem batizado como tal em referência ao carro em que nasceu a caminho do hospital.
Desde criança, ele considera o veículo, o primeiro carro adquirido por seus pais, seu melhor amigo. Um acidente os separa, Uno torna-se ativista ambiental, enquanto o carro é despachado para o ferro-velho de seu tio Zé Macaco (Matheus Nachtergaele).
O Festival de Roterdã será realizado em duas partes. A primeira, com as duas principais competitivas, vai até domingo (7/2). A segunda, entre 2 e 6 junho, poderá ser presencial, de acordo com o desenvolvimento da pandemia da COVID-19.