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Patrizia explica que a pesquisa de personagens procurou pessoas que simbolizassem essa queda. “Temos parte da população vivendo em vulnerabilidade social desde que o Brasil é Brasil, buscamos por alguém que representasse essa ruptura. Nesses momentos, a maior afetada é a classe média”, diz a cineasta.Durante o processo do filme, Patrizia se deparou com a grave crise do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ocorrida na virada de 2016 para 2017. Especificamente com a notícia de que Filipe Moreira, o primeiro-bailarino, havia se tornado também motorista de Uber para sobreviver.
“Quando entramos naquele microcosmo, entendemos que o filme estava ali. O Municipal apresenta essa dualidade de forma muito óbvia e interessante. Ali, vemos todos os signos do que podemos entender como exuberância e, naquele momento, tudo o que representava escassez”, observa a diretora, definindo o teatro carioca como “metáfora perfeita” para explicar o contexto da crise brasileira.
Filipe Moreira e outros artistas, assim como João Batista, funcionário do Municipal, são os principais personagens de Ressaca. A câmera registra a angústia deles diante do descaso do poder público e do sucateamento dos corpos artísticos, processo que se arrastava ao longo de 2017. Cenas mostram assembleias em que propostas de negociação salarial eram discutidas, bastidores das atividades artísticas e momentos pessoais dos envolvidos fora dali.
Filmagens intercaladas com imagens de noticiários relembram o Brasil pós-impeachment de Dilma Rousseff, tumultuado por denúncias de corrupção contra o então presidente Michel Temer, operações militares controversas em favelas e muita instabilidade econômica.
Durante um ensaio, a orquestra discute a decisão de retirar o Hino Nacional do repertório, devido à simbologia que ele vinha ganhando em manifestações da extrema-direita. Em outro momento, Márcia Jaqueline, primeira-bailarina do Municipal, fala sobre a desilusão dos artistas diante da falta de reconhecimento e das más condições de trabalho.
Márcia se desligou do Municipal, seguindo para uma companhia de Salzburgo, na Áustria. Por lá, seu cotidiano, marcado pela saudade da terra natal, é traduzido em lágrimas.
Sem entrevistas e depoimentos, com abordagem definida pela diretora como “observacional”, o filme mescla o drama de quem passou a exercer a atividade artística em troca de doações de cestas básicas com a beleza dos movimentos do balé e do próprio teatro.
“A gente encontra em situações dramáticas uma beleza que não encontramos em dias comuns. Não era o que se desejava, mas quando eles se viram naquela situação, perceberam que só era possível resistir através da arte, coletivamente. Então, chegamos a uma carga emocional muito forte e o resultado estético é muito bonito”, afirma Landi. O longa foi totalmente filmado em preto e branco.
Antes de chegar ao circuito comercial por meio dos serviços de streaming, o filme teve boa circulação por festivais no exterior e conquistou o Emmy Internacional 2020 na categoria arts programming. Ressaca também levou os prêmios de melhor documentário e melhor direção de documentário no Festival do Rio, em 2019.
REVELAÇÃO
Para Patrizia Landi, que já havia dirigido Hijas del monte (2012), documentário sobre mulheres ex-combatentes das Farc, a repercussão internacional de Ressaca foi uma forma de contar ao mundo o que se passava no Brasil entre 2016 e 2018.
“Nunca tivemos a pretensão de dizer que era um pedido de socorro, mas mostramos que vivíamos uma coisa grave que coadunava com o que vinha acontecendo no mundo, a ascensão da extrema-direita”, conclui a cineasta.
RESSACA
• Documentário de Patrizia Landi e Vincent Rimbaux. 86 minutos. Disponível nos serviços de streaming NetNow, Oi Play e Vivo Play.