Cotado para o Oscar, 'Uma noite em Miami' chega à Amazon Prime Video

Dirigido por Regina King, filme reconstitui o encontro de Malcom X, Cassius Clay, Sam Cooke e Jim Brown, em 1968, na Flórida racista

Estadão Conteúdo 18/01/2021 04:00
Patti Perret/divulgação
Cotado para o Oscar, o filme Uma noite em Miami está em cartaz na Amazon Prime Video (foto: Patti Perret/divulgação)
Em 25 de fevereiro de 1964, Cassius Clay comemorou seu primeiro título mundial dos pesos-pesados, aos 22 anos, num modesto quarto de motel que aceitava negros na Flórida segregada, com três grandes amigos: o ativista Malcolm X, o cantor e compositor Sam Cooke e o astro do futebol americano Jim Brown. A história real, lida no parágrafo de uma biografia do pugilista, virou ficção na peça escrita por Kemp Powers, autor do roteiro de Uma noite em Miami. O filme, que marca a estreia na direção de longas da atriz Regina King, acaba de chegar à plataforma Amazon Prime Video. Está cotadíssimo para o Oscar, assim como os atores Eli Goree, Kingsley Ben-Adir, Leslie Odom Jr. e Aldis Hodge.

Em 2021, os Estados Unidos não têm mais entradas separadas para negros e brancos nem o “Livro Verde”, guia de hotéis que aceitavam afro-americanos. Mas o assassinato de George Floyd e Breonna Taylor, entre tantos outros, mostra que as coisas não mudaram tanto quanto deveriam.
“Aguardo ansiosamente o dia em que esse filme será uma cápsula do tempo, não algo que reflete as coisas que acontecem à nossa volta”, diz Powers, também coautor e codiretor de Soul, atração da Disney+, que traz o primeiro protagonista negro de uma animação da Pixar.

ASSASSINATO

Kemp Powers recorda que em 2013, quando lançou a peça Uma noite em Miami, o adolescente negro Trayvon Martin foi assassinado na Flórida.

Cassius Clay, que adotaria o nome de Muhammad Ali ao se juntar à Nação do Islã por influência de Malcolm X, poucos dias depois do encontro em Miami, sempre é visto como autoconfiante, sem papas na língua. No filme, sua insegurança aparece. “Nós nunca o vimos tão jovem”, diz Eli Goree, que interpreta o pugilista. “Ele não tem todas as respostas. E está ali com as poucas pessoas no mundo que poderiam entender o que estava passando.”

O mentor espiritual de Clay, vivido por Kingsley Ben-Adir, também é visto como um ser humano, não como a figura por vezes controversa. “Regina e eu gostaríamos que as pessoas identificassem a humanidade dele. A razão pela qual é um herói é porque sentia medo, mas ainda assim enfrentava (o racismo)”, diz Ben-Adir.

No roteiro, Malcolm X critica Sam Cooke (Leslie Odom Jr.) por se dedicar a músicas românticas com o intuito de conquistar plateias brancas enquanto as pessoas lutavam pelos direitos civis nos EUA. Cooke se defende, dizendo que por ser dono de seus originais, faz dinheiro e pode dar oportunidade a outros negros.

“Minha ideia, com essa discussão, não é dizer que um está certo e o outro errado”, explica Powers. “Tudo depende da situação. Estou refletindo sobre o meu conflito interno como homem negro nos EUA e no mundo ocidental. Precisamos de Sam Cooke e precisamos de Malcolm X. Precisamos de Malcolm X e de Martin Luther King, porque cada um deles provoca mudança de maneira diferente”, enfatiza o roteirista e dramaturgo.

Por isso, Aldis Hodge, que interpreta Jim Brown, a voz mais calma entre os quatro amigos, acha que o filme tem exemplos úteis ao atual momento. “Todos queriam o mesmo objetivo, mas tinham maneiras diferentes de chegar lá”, afirma Hodge. “Ver aquelas quatro pessoas poderosas num quarto tentando descobrir como trabalhar juntas é monumental. Quando digo poderosas, não é pelo dinheiro, mas pelo potencial de influência de cada uma delas. Ninguém ficam dizendo estou certo, e você errado. É um retrato lindo de amor fraterno.”

FICÇÃO

Ninguém sabe ao certo o que os quatro discutiram naquela noite. Os diálogos e situações saíram da cabeça de Kemp Powers, com base em muita pesquisa. O encontro marcou a transformação do quarteto. Clay anunciou sua entrada da Nação do Islã, organização que Malcom X deixaria pouco depois, em 6 de março. Jim Brown aposentou-se em 1966 para se dedicar exclusivamente ao cinema.

No filme, Sam Cooke compõe A change is gonna come. Na verdade, ele já tinha gravado essa canção de protesto, mas o momento rende a cena poderosa em que Leslie Odom Jr. a canta no programa de Johnny Carson, gravação real que se perdeu.

Odom Jr. também compôs Speak now, com Sam Ashworth, que aparece nos créditos finais e deve ser indicada ao Oscar de canção original.

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