Uai Entretenimento

LANÇAMENTO

Novo filme de George Clooney vira metáfora sobre a pandemia

Felicity Jones é Sully, astronauta em missão dedicada a encontrar um novo local seguro para a humanidade - Foto: A realidade vem atropelando a ficção continuamente ao longo de 2020. O céu da meia-noite, sétimo longa-metragem dirigido por George Clooney (aqui também protagonista e produtor), seria o mesmo com ou sem COVID-19. Mas sua leitura muda totalmente diante da pandemia em curso.




Produzido pela Netflix, que lança o filme na quarta-feira (23/12), é uma adaptação do romance Good morning, midnight (Bom-dia, meia-noite, em tradução livre) da escritora americana Lily Brooks-Dalton – o volume, de 2016, já traduzido em 17 idiomas, permanece inédito no Brasil. A exemplo do que ocorreu com outros longas, a plataforma fez um lançamento reduzido em salas de cinema – em BH, O céu da meia-noite está em cartaz às 18h20 e às 20h50, no Cine Ponteio.

São quase dois filmes em um, cujas narrativas convergem no final. É fevereiro de 2049. No Observatório Barbeau, no Círculo Polar Ártico, o velho astrônomo Augustine Lofthouse (Clooney) assiste, sozinho, ao embarque de seus antigos companheiros em busca de um lugar seguro. Uma catástrofe global está dizimando toda forma de vida na Terra. Augustine decide permanecer no local para monitorar os astronautas que estão em missões.

No espaço, uma tripulação comemora sua bem-sucedida incursão: o grupo descobriu que é possível habitar um novo planeta. O comandante Gordon Adewole (David Oyelowo) está à frente da equipe, formada pela especialista em comunicação Sully (Felicity Jones), pelo piloto Mitchell (Kyle Chandler), pelo engenheiro Sanchez (Demián Bichir) e por Maya (Tiffany Boone), jovem astronauta em sua primeira grande missão.



Augustine não demora a descobrir que tem companhia. Iris (a estreante Caoilinn Springall) é tudo do que ele não precisava. A garota não embarcou com a família e ele não sabe o que fazer com ela, já que Iris é uma criança que não fala. Ao descobrir que a espaçonave de Adewole se aproxima da Terra, mas sem qualquer possibilidade de comunicar-se com a tripulação, Augustine sai com Iris da segurança do observatório para tentar, no meio do gelo e da morte, chegar a outro posto, onde poderá avisar ao grupo da catástrofe.


Um ano atrás, Clooney terminou de filmar na Islândia a parte do filme ambientada no Ártico. No início de fevereiro, ele e sua equipe foram para a Inglaterra fazer as filmagens dessa sequência da nave (rodada no Shepperton Studios, em Surrey).

“Quando começamos a conversar sobre o filme, falávamos sobre a raiva e o ódio que chegaram nas nossas vidas. E isso não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. E que se continuarmos assim por mais 30 anos, negando a ciência, as mudanças climáticas, não é inconcebível que algo grande ocorra. Ao terminarmos de filmar, veio a pandemia e aí ficou claro que a história do filme era sobre nossa desesperada necessidade de estar em casa com aqueles que amamos”, afirmou Clooney em entrevista à imprensa, no início deste mês.



O ator e diretor define O céu da meia-noite como um misto de O regresso (2015, produção que apresentou Leonardo DiCaprio como um homem que luta para sobreviver sob terríveis condições no século 19) e Gravidade (2013, em que o próprio Clooney viveu um astronauta, dividindo a cena com a personagem de Sandra Bullock).

NARRATIVA LENTA 

Mesclando diferentes gêneros, o filme não se define de pronto. A parte inicial da narrativa, seja em qualquer um dos dois cenários, é lenta, com uma demorada apresentação das personagens. De um lado, temos uma dupla improvável que vê a vida desvanecer. Do outro, um grupo de pessoas que parecem paralisadas no tempo/espaço, pois mesmo com boas perspectivas não sabem o que o futuro lhes promete.

Em meio a flashbacks vai se desenhando um drama pessoal. “É um filme sobre grandes questões, como o sentido da vida, por que estamos aqui, perguntas que estamos nos fazendo agora. Ao mesmo tempo, é um drama muito íntimo sobre a tentativa de se conectar com o outro. No início, ele era apenas um filme de entretenimento. Agora se tornou quase que um documentário”, afirmou  Felicity Jones.


Kyle Chandler vive Mitchell, piloto de uma das espaçonaves: entre a incerteza e a esperança - Foto:
Sob o risco  de finitude, generosidade

Demián Bichir relaciona seu personagem com o momento atual. “Hoje, estamos com uma grande chance de nos reconectar com os outros e com o nosso tempo. É como se a mãe natureza estivesse nos dizendo agora: ‘Vá para o seu quarto e pense no que está fazendo’. Foi esse o link que fiz com meu personagem, um homem solitário que não tem nada a perder.”

Do grupo de astronautas, Sully é personagem crucial. E a participação da atriz britânica teve de ser modificada. Clooney comentou que quando estava na terceira semana de filmagem na Islândia, recebeu um telefonema de Felicity. “Ela me disse que tinha novidades, que estava grávida. Eu disse: ‘Felicidade, como faremos?’.”

No momento inicial, Clooney contou, tentou-se negar a gravidez da coprotagonista. “Fizemos várias tentativas, filmamos várias vezes de maneiras diferentes. Mas a melhor versão das coisas acontece quando você as aceita e não as vê como problema. Uma vez que decidimos que a Sully estaria grávida, foram escritas cenas como a que dá nome ao filho (uma das poucas cenas divertidas da narrativa, ao som de Sweet Caroline, com Neil Diamond), a do ultrassom. A gravidez acabou nos unindo”, ele diz.



Felicity, que deu à luz Wilber em setembro, seu primeiro filho com o diretor Charles Guard, considera “um tanto revolucionário” ter uma mulher grávida no espaço. Sentimento semelhante teve David Oyelowo a respeito de seu personagem. “Me senti orgulhoso pelo fato de nós, astronautas, termos certa diversidade. Nunca vi um astronauta africano como este”, comentou ele, que foi autorizado por Clooney a mudar o nome do comandante. “Adewole, que significa ‘o rei entrou na casa’, é um nome da tribo de onde venho, na Nigéria. Os africanos ficarão felizes de ver esse tipo de representatividade no filme.”

Na segunda metade do longa, as coisas finalmente começam a ocorrer. Uma das melhores sequências coloca a personagem de Tiffany Boone no centro da ação. Como as cenas do espaço foram rodadas em estúdio, boa parte delas foi feita na chamada tela verde (técnica de efeitos especiais em que as imagens são adicionadas posteriormente).


EFEITOS 

Em determinado momento, a astronauta Maya (Boone) sofre um ferimento em gravidade zero. A maneira como o sangue é apresentado na sequência é impactante. “Eu disse para o pessoal dos efeitos especiais que queria que parecesse um balé”, descreve Clooney. “Como não havia sangue, foi só a imaginação. Mas foram meses de ensaio até filmar”, acrescentou a atriz.

Espectadores mais atentos certamente vão juntar os pontos antes da parte final da narrativa – a última sequência é bastante intimista. Nesse momento, O céu da meia-noite torna-se uma fábula sobre redenção. “Os últimos cinco minutos representam esperança, senso de continuidade. (Falando sobre a pandemia) Acredito que sairemos disso, vamos ficar bem”, finaliza Clooney.

O CÉU DA MEIA-NOITE
Estreia na quarta (23), na Netflix