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Pessoa tranquila e comunicativa, Marcelo viu sua vida mudar depois do assalto. “Aquilo mexeu muito com ele, deixando-o muito traumatizado. A gente se encontrou na noite seguinte, chovia muito e até o barulho dos trovões o apavorava. Foi um grande trauma, mas o filme nasce justamente da tentativa dele de reconstruir a vida depois disso”, diz Helvécio Marins.
ROSA
Rodado no Vale do Urucuia, com direito a cenas do rio citado por Guimarães Rosa em seus romances, o filme tem a proposta quase documental de registrar o cotidiano de Marcelo e seus amigos. Entre eles, Kaik Lima. Planos mais abertos mostram os dois tangendo gado no pasto, enquanto quadros mais fechados revelam cenas do cotidiano rural – como negociatas de frangos, cuidados com as criações e momentos de confraternização, boa prosa e troca de saberes –, nas quais os diálogos ganham destaque.
É neste contexto que um Marcelo atordoado tenta seguir a vida depois de ser rendido por assaltantes, que levaram 120 cabeças de gado em caminhões.
O trabalho com atores que jamais haviam pisado num set foi facilitado pela amizade de longa data entre Helvécio e o elenco. “Marcelo já tinha um lado artístico, assim como Kaik. Eles escrevem versos, fazem locução. Então, foi um trabalho de preparação. Investi muito tempo do projeto nisso. Tecnicamente, é a preparação de elenco, mas quem faz sou eu mesmo, é algo de que gosto”, revela o diretor. Na Europa, ele dá curso de preparação de atores não profissionais.
Além das estratégias usadas por Marins para atingir seus objetivos cênicos, o roteiro, totalmente ligado ao cotidiano dos artistas, facilitou o processo. “Tudo foi discutido de acordo com a vida deles. Não gosto de me impor muito. Se colocasse coisas minhas na boca deles, soaria estranho. Então, tudo é de acordo com a vivência deles. Claro que tem o link dramatúrgico, uma curva dramática do roteiro, mas quase tudo ali é real”, explica o diretor.
Atualmente, Marins se divide entre Portugal e Minas Gerais. Ele conta que costuma passar mais tempo na região onde Querência foi rodado do que em Belo Horizonte.
ORGULHO
Marcelo di Souza revela que nunca imaginou participar de um longa-metragem. Para ele, Querência é motivo de orgulho, sobretudo porque pode compartilhar sua vida com o mundo. “Esse filme é a minha vida. Qualquer pessoa que quiser me conhecer vai ver que é a pura realidade. Andar no campo, andar a cavalo, tirar leite, os rodeios, tudo isso está na minha vida real. Tem um significado muito grande o Brasil inteiro e o mundo ver esta minha história”, diz Marcelo.
O protagonista de Querência conta que sua ligação com o cinema, até então, se dava por meio de filmes “culturais, da vida real” ou de “bangue-bangues e faroestes com cavalo e caubói”.
Helvécio Marins mostra a vida rural sem glamour. Há um episódio central de violência, mas também trabalho, amizade, poesia, sonhos, família e solidão. Marcelo Di Souza aprova esse olhar. “É muito importante para o pessoal da cidade conhecer o meio rural. Quantas pessoas nasceram na cidade grande e não conhecem? Assistindo, podem até pensar que é ficção, mas tudo é vida real mesmo. É bom as pessoas do meio urbano valorizarem mais o meio rural, tão importante para o país”, diz.
“Tenho prazer imenso em ser um agricultor, um pecuarista, um trabalhador rural. Assim como conheci o meio urbano através da TV e do rádio, da mesma forma o pessoal da cidade pode conhecer o meio rural através de um filme”, argumenta.
PRECONCEITO
Marins concorda. “Hoje em dia, muita gente que antes não tinha voz, muitos grupos pelos quais tenho enorme carinho e quero que tenham ainda mais voz, são temas da realidade brasileira. A população preta, que sofre enorme preconceito com o racismo estrutural, e também os LGBTs e os indígenas, têm voz. Mas as pessoas que são a base da pirâmide no campo, nisso pouca gente fala”, adverte o cineasta.
“No campo, só quem tem voz são os grandes fazendeiros, a bancada ruralista. Então, me interessa muito dar voz a essa população. Além de que, gosto muito daquilo, tenho até vaca e égua com o Kaik e com o Marcelo, é uma coisa que está na veia, é um 'encarno'.”, comenta Marins.
Querência foi exibido no New Horizonts Festival, na Polônia, Festival de Cinema Latino-americano de Toulouse, na França, IndieLisboa, em Portugal, e no Festival Internacional de Cinema Jeonju, na Coreia do Sul, onganhou o troféu de Melhor filme.