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LITERATURA

Criado em 1887, Sherlock Holmes vence a barreira do tempo

- Foto: Penguim/reprodução
Sherlock Holmes é um dos personagens com a maior quantidade de releituras na história da literatura, protagonista de mais de mil obras, entre livros, peças de teatro, filmes, quadrinhos e jogos. Com a recente adaptação do romance Enola Holmes: O caso do marquês desaparecido (Verus), da escritora norte-americana Nancy Springer, pela Netflix, o detetive mais famoso do mundo, que surgiu em 1887, criado por Arthur Conan Doyle, voltou aos holofotes – de onde talvez nunca tenha verdadeiramente saído.



“Leio Sherlock Holmes desde criança. Quando tinha 10 ou 12 anos, esgotei suas histórias e fiquei inconsolável. Parecia que havia uma lacuna para uma figura feminina. Arthur Conan Doyle negligenciou o gênero feminino e me muniu com a oportunidade de preencher essa lacuna, fico surpresa porque ninguém tenha aproveitado a oportunidade antes”, afirma Nancy Springer, que publicou o primeiro livro de Enola Holmes em 2006.

Arthur Conan Doyle lançou seu famoso detetive em 1887, no livro Um estudo em vermelho - Foto: Reprodução 

Apesar de o filme dirigido por Harry Bradbeer mudar pontos-chave do enredo criado por Springer, a autora aprovou a adaptação da Netflix, com Millie Bobby Brown no papel de Enola e Henry Cavill como Sherlock. “As duas obras funcionam perfeitamente bem de modo independente entre si”, afirma.

JORNADA

O livro, típico romance de formação, acompanha Enola em uma jornada de autodescobrimento iniciada com o sumiço de sua mãe. A primeira atitude da menina ao saber do desaparecimento de Eudoria Holmes é convocar os irmãos mais velhos, Sherlock e Mycroft, para ajudá-la nas buscas.



No entanto, quando os cavalheiros tomam conhecimento da educação pouco ortodoxa para os padrões vitorianos que Eudoria, protofeminista e sufragista, vinha oferecendo à jovem, decidem matricular Enola em um internato para torná-la uma dama adequada à sociedade da época.

Para evitar esse destino, a menina foge dos irmãos – o que não é fácil, pois um deles é Sherlock Holmes – e procura a mãe por conta própria, envolvendo-se em outro caso e se tornando uma detetive informal.

 

Enola Holmes ganha relevância justamente por revisitar uma personagem tão importante pelo viés da questão de gênero. A saga tem seis livros publicados e dois no prelo. No início do primeiro romance, a protagonista compara mentalmente os talentos do irmão enumerados pelo doutor Watson em Um estudo em vermelho (químico, violinista, pugilista, pensador dedutivo) com as próprias aptidões adolescentes (ler, escrever, somar, encontrar ninhos e andar de bicicleta), sentindo-se diminuída e ofuscada, como muitas mulheres da época de fato foram.



De acordo com Nancy Springer, a personagem tem uma carga autobiográfica bastante forte. “Baseei-a muito em mim mesma. Tive uma mãe desaparecida, não fisicamente, e dois irmãos mais velhos. Senti a mesma sensação de solidão”, revela a autora.

Contudo, embora Enola seja jovem e inexperiente, ela aprende a usar a feminilidade como vantagem em relação a Sherlock, disfarçando-se com trajes de viúva ou usando exuberantes vestimentas vitorianas para esconder dinheiro e objetos.


“Enquanto Sherlock Holmes classificava ‘o belo sexo’ como irracional e insignificante, eu sabia de coisas que sua mente 'lógica' jamais poderia compreender”, calcula Enola fim de sua jornada.


“Sherlock é uma espécie de proto-Super-Homem, ele foi um super-herói antes da época. Era um modelo, e mesmo que não tivesse superpoderes, era quase como se os tivesse com seu pensamento dedutivo”, observa Springer.

Para a escritora, a popularidade do detetive pode ajudar a sociedade a cultivar um pensamento mais racional, especialmente neste momento de pandemia da COVID-19.

“Não podemos ter místicos dizendo o que fazer, precisamos encontrar soluções baseadas em fatos sólidos”, defende.

ENOLA HOLMES

. Direção: Harry Bradbeer
. Com Millie Bobby Brown, 
  Henry Cavill e Sam Claflin
. Netflix, 123min