Festival Gramado se reinventa ao premiar a ousadia

Filmes dos diretores Camilo Cavalcante, Ruy Guerra, Felipe Bragança, Caetano Gotardo e Marco Dutra se destacam pelo olhar sensível sobre impasses do Brasil e da América do Sul

Estadão Conteúdo 30/09/2020 04:00
Fotos: Festival de Gramado/divulgação
Aos pedaços, longa dirigido por Ruy Guerra, foi filmado em residências modernistas na cidade mineira de Cataguases (foto: Fotos: Festival de Gramado/divulgação)

O prêmio póstumo ao ator Andrade Júnior foi o momento de maior emoção na cerimônia de premiação do 48º Festival de Gramado, encerrado no fim de semana. Andrade, que morreu no ano passado sem ver seu trabalho concluído na tela, é o protagonista do filme vencedor, King Kong en Asunción, de Camilo Cavalcante. Além dos Kikitos de melhor filme e ator, o longa levou o troféu de melhor trilha sonora, para Shaman Herrera. Ganhou também o júri popular.

Dar a vitória a King Kong foi uma decisão sábia do júri. Premia um road movie lindíssimo, em trânsito entre Paraguai e Bolívia. Tem Andrade no papel do matador de aluguel aposentado em busca de uma filha desconhecida. Filme para ver e rever – e curtir em detalhes, como algumas cenas de antologia e a estranha narração de uma entidade em língua guarani.

O júri decidiu premiar a ousadia ao dar ao cineasta Ruy Guerra o troféu de melhor diretor por seu Aos pedaços (RJ), o título mais experimental de toda a programação. O longa, com grande personalidade cinematográfica, estuda o tema do duplo, e levou também os troféus de melhor fotografia (Pablo Baião) e som (Bernardo Uzeda).

CATAGUASES 

Aos pedaços tem cenas filmadas na cidade mineira de Cataguases, com apoio do Polo Audiovisual da Zona da Mata. Três residências modernistas foram cedidas para a produção do longa.

Foi de Ruy Guerra, de 89 anos, o mais contundente discurso de agradecimento. Falou do “ar pútrido” do Brasil contemporâneo e da importância das artes, cinema incluído, em dar às pessoas oportunidade de respiro, inteligência e sensibilidade em momento histórico tão ingrato.

O Brasil, com seus desvarios históricos, suas raízes coloniais e escravocratas, é tema de dois outros longas premiados. Um animal amarelo (RJ), de Felipe Bragança, levou os prêmios de melhor atriz (Isabél Zuaa), roteiro (Felipe Bragança e João Nicolau), direção de arte (Dina Salem Levy), além de menção honrosa para o ator Higor Campagnaro.
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Todos os mortos, filme de Caetano Gotardo e Marco Dutra, aborda o racismo no Brasil

Além dos troféus oficiais, ganhou o prêmio da crítica. Todos os mortos (SP), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, levou os troféus de melhor atriz coadjuvante (Alaíde Costa), ator coadjuvante (Thomás Aquino) e trilha sonora (Salloma Salomão).

São ambos – Um animal amarelo e Todos os mortos –  filmes de ideias, reflexões cinematográficas fundamentais para um tempo que, gostem os governantes ou não, coloca na pauta discussões sobre o racismo estrutural e a tradição autoritária do Brasil. A arte dá sua contribuição para pensarmos como e por que chegamos à distópica situação atual.

Completam a lista de premiados o documentário sobre Sidney Magal Me chama que eu vou (SP), com o troféu de melhor montagem (Eduardo Gripa), e o drama sobre problemas psicológicos Por que você não chora (DF), com menção honrosa para a atriz carioca  Elisa Lucinda.

Numa mostra latina equilibrada, o prêmio principal ficou com o colombiano La frontera, de David David, que levou ainda os troféus de melhor atriz (dividido entre Dajlin Vega Moreno e Sheila Monterola) e roteiro, do próprio diretor.

Também entre os latinos, foi bem premiado o inventivo documentário El gran viaje al país pequeño (Uruguai), com troféus de melhor direção (Mariana Viñoles), Prêmio Especial do Júri, júri popular e prêmio de crítica.

O talentoso O barco e o rio (AM), de Bernardo Ale Abinader, ganhou as estatuetas de melhor curta, direção, fotografia, direção de arte e júri popular. O documentário Portuñol, de Thais Fernandes, venceu como melhor longa gaúcho.

TV BRASIL 

Neste ano excepcional de pandemia, Gramado saiu-se bem com sua fórmula mista de festival não presencial: transmissão por TV (Canal Brasil) da sua programação principal, presença de parte dos concorrentes no streaming, debates e outras atividades por meio de lives pelas mídias digitais.

Com esse expediente, e boa seleção de filmes, pôde se reinventar. Salvou a edição de 2020, à espera do “novo normal” que ninguém sabe como será nem quando virá.

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