Chamar a atenção para a trajetória de uma antifeminista radical em 2020 pode soar um tanto anacrônico – ou perigoso, dependendo do ponto de vista. Mas Mrs. America consegue, com um roteiro engenhoso, elenco de peso e ótima reconstituição de época, traçar um retrato justo de Phyllis Schlafly (1924-2016), sem demonizá-la. Não precisamos concordar com ela, mas conseguimos acompanhar seu percurso, sem enxergá-la como simplesmente uma vilã.
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Antes de começar a ver a série, é melhor conhecer um pouco sobre a personagem central, que foi importantíssima para o Partido Republicano entre os anos 1970 e 1980 (era muito próxima de Ronald Reagan). É justamente o período setentista que a série acompanha, quando Schlafly realizou seu grande feito.
Em 1972, ela encabeçou a campanha contra a chamada Emenda da Igualdade de Direitos (ERA, do inglês Equal Rights Amendment). A iniciativa dos democratas previa incorporar à Constituição americana a garantia de igualdade entre homens e mulheres. Com a batalha quase ganha pelos democratas, Phyllis entrou em ação e convocou uma legião de donas de casa em todo o país para barrar a legislação.
Seu argumento ao criar o ERA Stop (sigla para Stop take our privileges, Pare de tirar nossos privilégios, em tradução livre) foi de que a emenda acabaria com os benefícios que a mulheres casadas tinham na Previdência Social, como banheiros separados para os sexos feminino e masculino e isenção do recrutamento militar.
REACIONÁRIA
Apresentada dessa maneira, pode-se fazer de Phyllis a imagem de uma reacionária obtusa e casca grossa. Pois a personagem passa longe disso. Foi uma mulher brilhante, autora de uma dúzia de livros, que estudou muito mais do que seus pares do sexo masculino (foi aluna da prestigiosa Radcliffe College, instituição feminina de Harvard, que na época não aceitava mulheres).
Ao contrário do que pregava (que a dona de casa deveria continuar como tal), ela trabalhou como ninguém no mercado. Era, obviamente, de classe privilegiada. Por causa disso, teve quem tomasse conta de seus seis filhos, enquanto atuava nos bastidores da política americana.
“Algumas mulheres gostam de culpar o sexismo por seus fracassos, em vez de admitir que não se esforçaram o suficiente”, diz a personagem, em certo momento, com um sorriso nos lábios. Não faltam esforços e trabalho na trajetória de Phyllis. Ainda que ela (aqui com uma aparente serenidade que Cate Blanchett impõe ao papel) seja a personagem central da narrativa, a minissérie destaca outras mulheres marcantes do período. Boa parte delas antagonistas de Phyllis.
Vários episódios têm como título os nomes das personagens destacadas. Abrindo com Phyllis, os capítulos ainda se detêm na jornalista feminista Gloria Steinem (Rose Byrne); em Shirley Chisholm (Uzo Aduba), a primeira mulher negra eleita para o Congresso americano (e que desejou se tornar também a primeira presidente negra dos EUA); Betty Friedan (Tracey Ullman), “papa” do feminismo; e Jill Ruckelshaus (Elizabeth Banks), também feminista, só que à direita, já que integra o círculo republicano.
O episódio-piloto coloca na mesa as próprias contradições de Phyllis. Após uma frustrada candidatura ao Congresso, ela, especialista em defesa e política nuclear, descobre que sua voz só será ouvida se lidar com uma questão “apropriada”, digamos assim, ao sexo feminino. É por isso que encampa a luta antifeminista.
Mrs. America acaba sendo não somente uma produção sobre tais personagens, como também sobre a derrocada do idealismo de esquerda que conduziria ao conservadorismo da Era Reagan, dos anos 1980. Algo a se pensar para os dias de hoje.
MRS. AMERICA
Minissérie em nove episódios. Neste sábado (19), às 22h15, serão exibidos os dois primeiros, na Fox Premium 1. No dia 26, às 18h, a minissérie será exibida integralmente no mesmo canal. No dia 29, às 23h, a produção passa a ser exibida sempre às terças, às 23h, com um episódio por semana. Episódios também estarão disponíveis no app da Fox.