Documentário sobre campanha eleitoral de mulheres está liberado na Internet

'Sementes: Mulheres pretas no poder' acompanha seis candidatas nas eleições de 2018 e pode ser visto até 30/9 no YouTube

Guilherme Augusto 13/09/2020 04:00
Fotos: Embaúba Filmes/Divulgação
Sementes: Mulheres pretas no poder documenta a campanha eleitoral de seis candidatas a cargo legislativo na eleição de 2018  (foto: Fotos: Embaúba Filmes/Divulgação )
Na noite de 14 de março de 2018, a vereadora carioca Marielle Franco foi assassinada na área central do Rio de Janeiro. O crime, ainda sem conclusão, gerou consternação em diferentes setores da sociedade brasileira e repercutiu internacionalmente. Sete meses mais tarde, o legado político da ex-vereadora influenciou as eleições em todo o país. Naquele ano, 4.398 mulheres pretas se candidataram a cargos legislativos, um aumento de 93% em comparação ao pleito anterior.

No documentário Sementes: Mulheres pretas no poder, as diretoras Éthel Oliveira e Júlia Mariano mostram a trajetória de seis dessas mulheres ao longo da campanha. Três delas trabalhavam diretamente com Marielle e foram eleitas pelo Psol: Talíria Petrone, Mônica Francisco e Renata Souza.

A ideia do filme, que num primeiro momento partiu da roteirista Helena Dias, começou a ganhar forma durante um evento no espaço Casa das Pretas, no Rio. “Eu, como mulher branca, não podia tocar esse projeto sozinha. Precisava de outras mulheres em papéis estratégicos comigo. Foi quando conheci Éthel e percebi que precisava dela para contar a história dessas mulheres”, afirma Júlia, que atuou também como produtora-executiva e destaca que a equipe do filme é constituída quase exclusivamente por mulheres.

“Eu trabalho para honra e glória do povo preto”, diz Éthel. “E o que me fez topar a proposta foi a ideia de registrar essa prontidão das mulheres pretas. Nós não temos tempo de viver o luto. Rapidamente, precisamos nos reconfigurar, porque o racismo que a gente vive bate à porta todo dia. Então, foi importante para mim mostrar como essa prontidão é uma tecnologia da mulher preta.”
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O documentário está disponível gratuitamente no canal do YouTube da distribuidora Embaúba Filmes

PANFLETAGEM 
Feito com baixo orçamento, o filme traz cenas que mostram o esforço das candidatas em fazer uma campanha com poucos recursos. Rose Cipriano, por exemplo, então candidata a deputada estadual, aparece panfletando na porta de uma faculdade particular no Rio de Janeiro. Jaqueline de Jesus, candidata ao cargo pelo PT, faz comício na parada LGBT de Niterói, enquanto Tainá de Paula, candidata pelo PCdoB, destaca sua ancestralidade no lançamento da candidatura.

Para começar a produção, Júlia levou seus próprios equipamentos e outros emprestados. Posteriormente, as duas conseguiram um financiamento coletivo para a produção e a divulgação do longa, que foi lançado na última segunda-feira (7) e segue disponível gratuitamente no YouTube da distribuidora Embaúba Filmes até o próximo dia 30.

“Somos da escola do cinema direto, não queríamos fazer entrevistas. Isso dificultou um pouco porque, num primeiro momento, a gente tinha que sacar as intimidades, chegar com a câmera e explicar para aquelas mulheres a urgência do filme. Por serem da política, elas nos jogavam para um monte de comício, panfletagem e, como saída, a gente percebeu que os momentos de deslocamento para esses locais da campanha eram muito preciosos”, conta Éthel.

Na esteira de outras produções documentais que buscam compreender as causas e os efeitos das eleições de 2018, Sementes traz uma nova perspectiva para esse debate. Em vez de retratar uma trajetória cujo final já é conhecido, o filme joga para o segundo plano a ascensão ao poder da extrema-direita brasileira e destaca um dado que muitas vezes é deixado de lado, inclusive pelos setores da esquerda: o crescimento da representação de mulheres pretas no Parlamento.

“O brasileiro ainda está decantando o que foram as eleições passadas. Mas, para além do horror, também foi uma eleição de resistência. E isso não aparece nas narrativas produzidas pela esquerda branca”, opina Júlia. “Um dos nossos objetivos é construir essa memória e destacar os efeitos que isso pode ter na sociedade.”

“Também é uma maneira de racializar o cinema”, comenta Éthel. “É óbvio que esse crescimento de candidaturas de mulheres pretas é uma resposta a tragédias profundas. E nosso olhar se torna otimista, porque estamos contando uma história sob uma perspectiva que não foi explorada e que a própria história tende a apagar.”

Previsto para estrear no histórico Cine Odeon, no Centro do Rio, o lançamento se adequou à pandemia do novo coronavírus e ocorreu virtualmente. Agora, as diretoras pretendem realizar o que elas chamam de “distribuição de impacto”, disponibilizando o filme para o maior número possível de pessoas e nos lugares mais diversos.

“A gente quer que esse filme chegue à periferia, à juventude negra, que tenha um impacto na vida das mulheres que ainda não perceberam que podem ocupar o espaço de disputa eleitoral. Entendemos que o Sementes pode mudar perspectivas e ajudar as pessoas a compreender como suas ações cotidianas também constituem política”, diz Júlia.

Para Éthel, o filme também cumpre o papel de ampliar o cinema negro no Brasil. A equipe obedece a uma paridade entre mulheres brancas e pretas, bem como representa a estreia de diferentes profissionais, como a fotógrafa Marina Alves e a roteirista Lumena Aleluia. “O público está sedento por esse tipo de produção. E apesar de ela não chegar nos grandes meios, ela existe, sim.”

Ao longo deste mês, a equipe do filme realizará uma série de lives para debater a temática do longa. Na próxima quarta-feira (16), Maria Sylvia de Oliveira, Mônica Francisco, Jaqueline Gomes, Ingrid Farias, Andréia de Jesus e Semayat Oliveira se reúnem em torno do tema “Democracia e antirracismo”. Já no dia 22, Katiusca Ribeiro, Renata Souza, Vilma Reis e Tatiana Carvalho debatem “Por outras imaginações políticas”.

Em 30 de setembro, último dia em que o filme estará disponível gratuitamente, as diretoras Éthel Oliveira e Júlia Mariano se juntam a Everlane Moraes, Karoline Maia Cintia Lima e Rodrigo Grillo para falar sobre os “Desafios do cinema antirracista”. Todas os encontros estão previstos para as 20h, no canal do YouTube da Embaúba Filmes. 

SEMENTES: MULHERES PRETAS NO PODER
Documentário de Éthel Oliveira e Júlia Mariano. Disponível gratuitamente até o próximo dia 30 no canal do YouTube da Embaúba Filmes (youtube.com/embaubafilmes)

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