Curta de realidade virtual brasileiro leva Emmy de inovação extraordinária

'A linha' já havia sido premiado no Festival de Veneza. Diretor Ricardo Laganaro se diz confiante no potencial do Brasil para ser protagonista desse mercado

Estado de Minas 03/09/2020 04:00
Árvore/Divulgação
Romance entre o entregador de jornais Pedro e a florista Rosa depende da ação do espectador para se desenvolver em A linha. História é ambientada em São Paulo, nos anos 1940 (foto: Árvore/Divulgação)
A produção brasileira A linha foi premiada com um Emmy na categoria Inovação extraordinária em mídia interativa, na última terça-feira (1º), quando a Academia de TV dos EUA anunciou os primeiros prêmios técnicos de sua edição 2020.

Não é o primeiro reconhecimento internacional que o curta de realidade virtual (15min) dirigido por Ricardo Laganaro recebe. O filme também foi premiado no Festival de Veneza do ano passado, como melhor experiência em realidade virtual. O diretor acredita que o Brasil está bem posicionado para se destacar nessa vertente da produção audiovisual.

“Essa é uma revolução que envolve tecnologia, arte e comunicação e que começa ao mesmo tempo no mundo todo, o que faz com que não existam ainda grandes atores desse mercado em nenhum lugar”, aponta Laganaro. 

Ele diz que, nesse contexto, “não há aquele gap estrutural do cinema, da TV e dos games entre o Brasil e o primeiro mundo”. Competindo em igualdade de condições, afirma, esse é um jogo em que o Brasil pode ganhar. 

“Sempre tive a visão de que dá para ser protagonista. Se acompanharmos o mercado, conseguiremos continuar no topo e, quando isso se tornar mais comercial, não precisaremos correr atrás de ninguém.”

A linha tem trama ambientada na São Paulo dos anos 1940, onde o entregador de jornais Pedro vive um amor platônico recíproco pela florista Rosa. A história, no entanto, só pode se desenrolar com a participação do espectador, que, usando o equipamento de realidade virtual, deve acionar comandos para a continuidade da narrativa.

INSPIRAÇÃO 

Uma condição para que o romance de Pedro e Rosa se desenvolva é que os personagens quebrem suas rotinas, algo que é visto e sentido por quem está assistindo, ou melhor, participando do curta-metragem. 

 “O que nos inspirou a fazer o filme foi tratar de uma experiência universal, uma história de amor simples, contada em 15 minutos, mas com outras camadas de entendimento, a exemplo do que a Pixar já faz em suas animações. Uma primeira camada facilmente compreendida, mas outra mais profunda sobre a rotina, o medo de mudar, e essa exploramos com o corpo", explica o diretor. 

Como a produção em realidade virtual ainda é novidade e até desconhecida para boa parte do público, Laganaro ressalta que a grande diferença do formato é o fato de usar "o espaço e o corpo do usuário para interagir com a história". 

"Quando vemos um filme, nem lembramos que temos um corpo. Apenas assistimos. A experiência em realidade virtual é partir do corpo do usuário, que interage com o espaço, de forma integrada à história, a favor de criar uma emoção combinada ao arco narrativo. A linha foi certeiro nesse ponto. Há muito se fala em criar narrativas para realidade virtual. Já existiam os filmes em 360, que são poderosos, mas limitados a você virar a cabeça para acompanhar a história e ter a sensação de presença. A ideia passa a ser interagir, sem ser um jogo, sem a sensação de vitória ou derrota dos games, mas fazendo quem assiste participar do que acontece", afirma. 

Cofundador da Árvore, empresa paulista que assina a produção do curta, Rodrigo Terra diz que "o corpo inserido na narrativa traz um caminho sem volta nesse nosso momento pós-digital, de entender que a fronteira entre o que é físico e o que é virtual é, na verdade, um conjunto de camadas do mesmo entendimento, da mesma realidade. Não são antagônicas, nem excludentes".

Apesar do reconhecimento nas grandes premiações, o caminho para produções como A linha, que tem narração de Rodrigo Santoro (inglês) e Simone Kliass (português), rumo à popularidade ampla ainda é tortuoso

O curta foi a primeira experiência lançada comercialmente para Oculus Quest a usar o novo recurso de rastreamento de mãos (hand tracking). Ou seja, para assistir (e interagir com) A linha, é preciso usar um equipamento pouco acessível no Brasil e em boa parte do mundo, que tem oferta reduzida no mercado, preços na faixa dos R$ 5 mil e para o qual o volume de conteúdos narrativos ainda é pequeno.

"Estamos juntos do nascimento de uma indústria. Não adianta só produzir conteúdo ou só hardware. O primeiro passo era um dispositivo num preço razoável e com qualidade boa para termos o melhor da realidade virtual. Tentativas anteriores não foram bem-sucedidas, já o Oculus Quest funciona como um console e está com número de usuários crescendo no mundo, ou seja, a barreira do hardware está sendo rompida. No Brasil, ainda é muito pouco. Mas no mundo está avançado e é possível que o equipamento se torne mais barato e que outras empresas lancem também os seus. Com mais conteúdo sendo produzido e o equipamento ficando mais acessível, aí, sim, a coisa poderá acontecer de verdade", diz Laganaro

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