Apesar dos cancelamentos impostos pela pandemia, o cinema brasileiro está presente em alguns dos mais importantes eventos cinematográficos do mundo. Um deles é o Festival de Telluride, criado em 1974, nos EUA. Marcado para setembro, ele não vai ocorrer devido à COVID-19, mas a organização divulgou a lista de filmes selecionados. O curta Seiva bruta, do paulista Gustavo Milan, está incluído. Processo semelhante se deu com Casa de antiguidades, de João Paulo Miranda, que ganhou o selo do Festival de Cannes, que seria realizado em maio.
O diretor de Seiva bruta se divide entre a alegria pelo reconhecimento de seu trabalho e a frustração pelo cancelamento de Telluride, que, em setembro de 2019, impulsionou o longa sul-coreano Parasita para se consagrar no Oscar, cinco meses depois.
Sundance
“Curta-metragem é muito dependente desse tipo de festival e de prêmios, pois é quando ele ganha algum espaço entre os longas. Telluride é um superfestival. Ele e Sundance que definem o mercado americano. Sundance em janeiro, Telluride em setembro, cada um compreendendo um semestre”, explica Gustavo Milan, observando que o festival é conhecido pelo rigor da seleção. “O fato de o Telluride não acontecer é uma facada no coração. Fazemos filmes sonhando em entrar num festival como esse. Então, fica certa sensação de ganhou mas não levou.”
Seiva bruta é o quinto curta do cineasta. Ele diz que eventos como Telluride promovem encontros presenciais entre realizadores e figuras importantes da indústria. “Curtas precisam muito de festivais. Não se recupera o dinheiro de um curta em circuito comercial. Eles são cruciais porque os diretores podem mostrar trabalhos, conhecer gente da indústria, produtores. É assim que nascem os novos projetos. É muito importante para quem está começando a carreira, como eu”, afirma Milan, que atualmente cursa mestrado em direção na New York University – Tisch School of the Arts.
O reconhecimento da curadoria de Telluride premia o esforço para realizar uma produção complexa, com filmagens na floresta amazônica. Inspirado pelo noticiário sobre a crise migratória venezuelana, Milan fez pesquisas de campo para o roteiro, também escrito por ele.
Seiva bruta conta a história de Marta, imigrante que tenta chegar a Manaus e recomeçar sua vida. Os 16 minutos do curta revelam os obstáculos que ela enfrenta, em meio a graves problemas vividos por refugiados, violência contra a mulher e abandono de menores.
A protagonista é interpretada pela venezuelana Samantha Castillo. “Tive a sorte de achar a Samantha por meio de uma preparadora de elenco do Brasil. Contatei diretamente a atriz, que leu o roteiro e se emocionou. Ela também tem uma filha pequena, de seis meses, e se sentiu praticamente 'incorporada' na Marta, até porque havia se mudado para o México há pouco e algumas questões do filme são bastante sensíveis para ela. A dedicação foi tanta que Samantha nem quis usar dublê de corpo”, relata Milan.
“A protagonista é fruto de uma constelação de histórias que fui escutando em visitas a Roraima. Gosto de personagens voltados para dentro, com algum conflito interior muito forte. Sou um pouco assim. Minha energia é voltada para entender meus próprios conflitos, só que, no caso da Marta, o problema vai um pouco além. É o conflito entre o corpo, que quer uma coisa, e a razão, dizendo outra, que ela deve ir para o Brasil buscar uma saída. É um embate”, descreve.
Lei Rouanet
O elenco conta também com os venezuelanos Abilio Torres e Brenda Morena e o brasileiro Luiz Carlos Vasconcelos. Gustavo Milan trabalhou com orçamento de R$ 200 mil, parte captada pela Lei Rouanet.
Seiva bruta também foi premiado no último Directors Guild of America Awards (DGA), concedido pelo sindicato dos diretores de Hollywood, como melhor curta latino-americano. “O cinema brasileiro já era muito importante e melhorou exponencialmente nos últimos 15 anos. Lá fora, as pessoas percebem isso antes da gente. O Brasil ganhou prêmios importantes em Cannes, teve o documentário da Petra Costa (Democracia em vertigem) indicado ao Oscar”, afirma o diretor paulista.
“O mundo quer que o Brasil faça parte do cinema mundial, mas o próprio Brasil luta contra, com essas políticas da atual gestão, se é que posso chamar assim, que faz de tudo para desmontar o que foi criado nos últimos 15 anos, com a Ancine. Estão fazendo de tudo para bagunçar a casa, como vimos neste caso recente da Cinemateca de São Paulo”, lamenta Gustavo Milan.
Mostra de SP
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo anunciou que sua 44ª edição será on-line, de 22 de outubro a 4 de novembro, com filmes exibidos em plataforma exclusiva. O ingresso para cada sessão virtual custará R$ 6. A programação incluirá projeções no drive-in Petra Belas Artes, na capital paulista, e alguns títulos disponíveis gratuitamente nas plataformas do Cinesesc e da SPcine, além de masterclass, webnares e lives com profissionais da área. A expectativa é de exibir cerca de 150 filmes. Em brevel a seleção será divulgada no site www.mostra.org.