Dos inúmeros problemas que o Rio de Janeiro enfrenta – com ou sem pandemia –, um apocalipse zumbi é novidade até mesmo para a ficção, o que torna a proposta de Reality Z, no mínimo, curiosa. A série, nova aposta nacional da Netflix, mostra a cidade destruída, tomada por mortos-vivos. O lugar mais seguro é a vigiada casa de um reality show, onde os confinados precisam fazer de tudo para sobreviver.
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“A proposta da Netflix era desdobrar a minissérie original, que tem cinco episódios, em uma temporada com 10 capítulos, criando uma série zumbi brasileira”, conta o diretor Cláudio Torres. “A questão não era agradar aos brasileiros, mas fazer esse público se reconhecer na trama do gênero apocalíptico. Criamos um show visceral que combina a ironia britânica com o antropofagismo tropicalista para narrar a improvável colisão entre o universo zumbi, o mundo dos reality shows e o Brasil.”
Para tanto, a produção conta com o universo expandido de cenários e personagens, pensados especialmente para abrasileirar a história. A série britânica se passa exclusivamente dentro da casa do reality show. Na versão brasileira, os acontecimentos se desenrolam também na cidade do Rio de Janeiro, conferindo um pouco de realismo à trama, ainda que o objetivo seja assumidamente trash.
“Inserimos no reboot brasileiro um político corrupto, sua assessora elitista, uma engenheira deprimida e o filho ecologista, um cabo da polícia viciado em cocaína e uma jovem ativista videomaker. Todos eles são a extrapolação simbólica de comportamentos de parte da sociedade brasileira, que luta por um lugar seguro para sobreviver ao apocalipse junto aos seus”, revela Cláudio.
Guardadas as devidas proporções, o que ocorre na série se assemelha ao que aconteceu recentemente com os participantes da última edição do Big brother Brasil, que chegou ao fim na última semana de abril. Quando o programa começou, o mundo vivia relativa normalidade, completamente abalada depois do anúncio da pandemia do novo coronavírus por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir dali, a “casa mais vigiada do país” se tornou também a casa mais protegida contra o vírus, além do entretenimento preferido dos brasileiros em isolamento social. A semelhança é mera coincidência, pois Reality Z foi gravada em 2019.
Isolamento
“Tanto o original quanto a adaptação vieram muito antes da pandemia”, reforça o diretor. “O coronavírus trouxe à tona a questão do isolamento, da convivência, do perigo do contágio e da atitude de cada um diante do próximo. Todas essas questões se tornaram vitais e fáceis de comparar com um apocalipse zumbi, mas nós escrevemos, produzimos e gravamos a série muito antes de isso tudo acontecer.”
Reality Z conta com a ex-BBB Sabrina Sato no papel de Divina, a apresentadora duas-caras do reality ficcional. Ainda que seja uma participação especial, ela é, sim, transformada em zumbi. O visual morta-viva de Sabrina é guardado a sete chaves.
“A participação da Sabrina é uma peça fundamental na construção da credibilidade do nosso reality show fictício”, comenta Cláudio Torres. “O reboot se aproxima da cultura pop usando humor e ironia para brincar com a cultura do reality show, que se tornou muito forte no Brasil, a ponto de praticamente todo canal de TV ter o seu reality de sucesso.”
Cláudio Torres acredita que Reality Z apresenta ao público brasileiro uma nova forma de retratar apocalipses zumbis. “Relativamente recente, o gênero está em construção. Nasceu relacionado ao vodu haitiano: um feiticeiro acordava os mortos para servi-los. Mas foi realmente inaugurado com A noite dos mortos-vivos, de George Romero, no qual o caráter feitiçaria é abandonado e os zumbis passam a ser canibais, haters, sem explicação”, diz. “A partir daí, cada novo filme inclui citações de antecessores, ao mesmo tempo em que amplia horizontes: vísceras explícitas, crítica social, depois humor e, por fim, o caráter pandêmico”, diz o diretor.
Para ele, Dead set é um clássico que introduziu o absurdo crítico à gramática zumbi. “Em Reality Z, nós fomos reverentes. Pelos tempos que vivemos, nossos zumbis representam haters: criaturas desprovidas de inteligência, movidas pela fome e pelo ódio.”
Filmes
Comparada aos últimos trabalhos do diretor, a série deixa a desejar, mas é preciso ter em mente que se trata de uma produção para não ser levada a sério. Filho do casal de atores Fernando Torres (1927-2008) e Fernanda Montenegro, Cláudio dirigiu os filmes Traição (1999), Redentor (2004), A mulher do meu amigo (2008), A mulher invisível (2009) e O homem do futuro (2011). Na TV, dirigiu as elogiadas séries Mandrake (2005-2007) e Magnífica 70 (2015-2018), ambas para a HBO, e, mais recentemente, episódios de Sob pressão, exibida na Rede Globo.
“Amo distopias, ficção científica e o gênero fantástico como um todo. Acredito que é a melhor maneira de eternizar questões”, afirma Torres. “Hoje, o Brasil vive a mistura de 1984 e The handmaid's tale. Não poderiam ser obras mais atuais”, conclui.
OUTROS APOCALIPSES
The walking dead e Santa Clarita Diet
Desde o sucesso estrondoso de The walking dead, com nove das 10 temporadas disponíveis em plataformas de streaming, o gênero apocalipse zumbi virou uma grande aposta da Netflix. De séries mais tradicionais, como Black summer, a comédias leves, como Santa Clarita diet, estrelada por Drew Barrymore e cancelada na terceira temporada, o tema vem sendo recorrente no conteúdo original da plataforma.
Kingdom
Com duas temporadas, o suspense sul-coreano mistura elementos da história da Coreia do Sul com zumbis. Um príncipe herdeiro é enviado a missão suicida para investigar misteriosa praga que assola o país. A verdade ameaça o reino da dinastia Joseon (1392-1897), quando se descobre que a doença transforma a população em milhares de mortos-vivos.
Betaal
A minissérie indiana, que chegou à Netflix no fim de maio, vem conquistando elogios ao redor do mundo. Um vilarejo remoto é palco da batalha desencadeada por um oficial do Exército da Índia Britânica, com mais de 200 anos de idade, e seu batalhão de zumbis. Enquanto a polícia luta para tentar conter o exército de mortos-vivos, os moradores se veem enredados no conflito.