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Cineastas liberam filmes na internet para divulgar a produção nacional


Pelo menos 1,7 bilhão de pessoas estão em isolamento residencial em razão da pandemia do novo coronavírus, segundo levantamento da agência de notícias France Presse. No tempo livre dentro de casa, o cinema se torna a alternativa preferida de muita gente para passar o tempo.



Se por um lado a situação obriga os grandes estúdios a se adaptar para não encolher, migrando seu produto para o streaming e serviços sob demanda, por outro, o cinema independente vê uma oportunidade de expandir o seu nicho de público, ao ampliar sua divulgação com opções gratuitas de exibição. A estratégia é aproveitar a atenção de mais potenciais espectadores em casa para evidenciar que o cinema nacional tem uma produção diversa.

Tendo a atriz Nicole Puzzi, que foi musa do período da pornochanchada, como protagonista, o título mineiro Lembranças de Mayo, dirigido por Flávio C. von Sperling, estreou em 2015 na Janela Internacional de Cinema do Recife, onde levou o prêmio de melhor curta nacional.

Desde então, o curta passou por diversos outros festivais, como a Mostra de Tiradentes, Festcurtas BH, Kinoforum (São Paulo), entre outras. Mas a maior possibilidade de encontro com o público só veio neste mês de março, quando as salas de cinema se encontram fechadas e os festivais, adiados por causa da Covid-19.



Lembranças de Mayo está disponível gratuitamente na internet, desde a semana passada, por iniciativa de seus realizadores. É a primeira vez que o curta é exibido fora do contexto de festivais ou sessões isoladas. Segundo o diretor, havia uma conversa com o Canal Brasil para um contrato de cessão à emissora, que impossibilitava a exibição na internet.

As tratativas não avançaram, e a quarentena foi o ensejo final para o link ser disponibilizado na plataforma Vimeo, com acesso gratuito. “A questão primordial é que os filmes são feitos para ser vistos. No Brasil, há poucas janelas de exibição para produções independentes. O circuito comercial é ocupado majoritariamente por produções estrangeiras e grandes produções nacionais. No caso dos curtas-metragens, a circulação é ainda mais tímida, já que não entram em cartaz e são exibidos sobretudo em festivais. A internet se torna, então, uma janela importantíssima para que esses filmes cumpram sua razão de ser: ser vistos”, afirma Von Sperling.

Segundo o diretor, assim como Lembranças de Mayo, cuja trama homenageia a Boca do Lixo, mostrando a relação amorosa entre a protagonista e um rapaz mais novo, “muitos filmes acabam não sendo disponibilizados na internet, ou demoram a ser, por várias questões, como impedimentos contratuais ou exigências de festivais”.


CIRCULAÇÃO 

Porém, a situação ocasionada pela pandemia do novo coronavírus muda esse cenário. O diretor e roteirista ainda lembra, que “num momento no qual as políticas públicas de fomento ao cinema estão sendo exterminadas em várias instâncias, essa circulação e a recepção do público tornam-se ainda mais importantes e afirmativas sobre o quão fundamental é a produção independente brasileira e, por extensão, a cultura nacional como um todo”.

Nesse contexto, o cineasta mineiro Gabriel Martins, diretor (com Maurílio Martins) de No coração do mundo (2019), usou seu Facebook para convocar outras pessoas envolvidas com a produção cinematográfica a fazer o mesmo.

O apelo de Martins recebeu dezenas de respostas com links de curtas e longas-metragens, agora disponíveis ao público, gratuitamente, no Vimeo ou no YouTube. Um deles foi o curta BR3, do carioca Bruno Ribeiro, que trata da representatividade LGBT e foi selecionado para o Festival Internacional de Roterdã no ano passado.



“Após uma estrada muito bonita em festivais e exibições mundo afora, está agora disponível para quem quiser assistir na internet”, afirmou o diretor, em uma postagem de divulgação, em resposta à conclamação feita por Martins.

Gabriel Martins, que há quase 11 anos mantém a Filmes de Plástico, fundada em Contagem, com os também cineastas Maurílio Martins e André Novais Oliveira, além do produtor Thiago Macêdo, diz que, para ele, a exibição livre dos filmes na internet não é novidade.

Desde antes da quarentena, todos os curtas da produtora já estavam disponíveis em plataformas digitais, com exceção de Nada, exibido em Cannes, em 2017, por questão contratual com o Canal Brasil. Mesma situação do longa No coração do mundo e de Temporada, dirigido por André Novais Oliveira, este último exclusivo da Netflix. Eles pretendem ampliar a lista de filmes gratuitos em breve.



“Em relação ao Nada, eu envio o link para quem me pede pessoalmente. Faço isso há um tempo. Na Filmes de Plástico, sempre tivemos essa postura de disponibilizar os filmes, especialmente no YouTube, pelo fato de ele alcançar mais gente do que o Vimeo. Acho curioso filmes que já passaram há mais tempo em festivais não serem disponibilizados. Essa chamada que fiz serve para isso, para incentivar realizadores e realizadoras a fazer o mesmo”, diz Gabriel.

ACESSÍVEL 

Segundo ele, “embora Netflix e Amazon não tenham assinaturas propriamente caras (giram entre R$ 10 e R$ 21,90 os planos individuais), ainda são inacessíveis para muita gente”.  “É importante, coletivamente, voltar as atenções para isso. Por conta da quarentena, as pessoas estão vendo mais filmes e séries do que o normal.  Ou seja, se esses filmes nacionais tiverem mais acessos, forem mais assistidos, chamaremos a atenção para o que é feito aqui”, argumenta.

Mais do que uma nova variedade de opções para assistir na quarentena, Gabriel espera que a liberação de mais títulos nacionais gratuitos “consiga também evidenciar que existe essa possibilidade”. “Muitos filmes já estavam disponíveis gratuitamente há mais tempo. Os nossos curtas, como Contagem, Dona Sônia pediu uma arma para seu vizinho Alcides, Quinze, entre outros, já estavam e muita gente não sabe. Da mesma forma que estamos procurando fortalecer o comércio local, afetado pela quarentena, o mesmo vale para o cinema local, que também tem sua cadeia produtiva atingida. Um clique num filme já é muita coisa, é uma história e um conhecimento a mais para você e um incentivo para os realizadores e realizadoras, que saberão que estão sendo vistos. É um momento de repensar nossas relações com o mundo e também neste sentido de tornar o cinema mais acessível”, afirma Martins.



Além de listas de links, sob “curadoria” de várias pessoas envolvidas com o cinema, de filmes nacionais gratuitamente disponíveis, o cinema brasileiro ainda se promove de outras formas durante a pandemia. O SPcine Play, plataforma de streaming pública do Brasil, criada pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, liberou o acesso gratuito a todo o seu acervo, que inclui obras de Hector Babenco, José Mojica Marins, Andrea Tonacci, Suzana Amaral e outros nomes do cinema brasileiro, por 30 dias.

Normalmente, o serviço exibe filmes de festivais, simultaneamente às mostras, e disponibiliza um catálogo que pode ser acessado sob demanda, mediante o pagamento por filme assistido. A GloboPlay, que também reúne um grande número de produções nacionais ligadas ao grupo Globo, foi outra que deu gratuidade por um mês.