As medidas vêm sendo tomadas desde a última semana, mas ainda é cedo para analisar o tamanho do impacto do novo coronavírus sobre o setor cultural. O cinema, a mais coletiva das atividades artísticas, foi a primeira a se manifestar no Brasil, com a onda de cancelamentos de lançamentos (de blockbusters a filmes autorais), além do fechamento de salas. Todas as pontas da cadeia produtiva – produção, distribuição, exibição – já estão sofrendo com a pandemia.
O efeito dominó, que teve início em janeiro, na China, quando 70 mil cinemas foram fechados, estendeu-se à Europa, aos Estados Unidos até chegar ao Brasil. Até o início desta semana, 577 das 3,5 mil salas do país deixaram de funcionar, segundo dados do Filme B, portal de mercado de cinema no Brasil.
Em Belo Horizonte, mesmo com a venda reduzida de assentos desde a semana passada – entre 60% e 70% da capacidade de cada sala, de acordo com cada complexo –, os cinemas continuam abertos. O número de salas fechadas vai crescer. Em BH, a primeira a fechar será o tradicional Cine Belas Artes, que funciona apenas até hoje. “Terrível.” Foi dessa maneira que Adhemar Oliveira, proprietário do cinema de arte do Bairro de Lourdes, avaliou a frequência no fim de semana. “Não tinha filme lançando, então não teve quase nada (de público). As pessoas já estão antenadas a ficar em casa”, comenta. No momento inicial, o Belas Artes ficará fechado por pelo menos duas semanas.
Comédia No gogó do Paulinho, com Maurício Manfrini, não chegará às salas em 16 de abril - Foto: Acervo
Proprietário do grupo Cineart, que tem 10 complexos no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Porto Alegre, Oliveira comenta que adotará política única para todas as salas – Rio de Janeiro e Brasília foram fechadas na semana passada, seguindo decisão governamental.
Por ora, os maiores complexos da capital mineira (Cineart e Cinemark), localizados em shoppings, manterão as portas abertas, seguindo a orientação da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec). Uma das medidas é o reforço da higienização de todas as instalações.
As estreias nos cinemas foram até quinta-feira passada (12). Amanhã, nenhum filme estreará no Brasil. O adiamento de lançamentos, a maior parte deles ainda sem nova data, vai provocar um engarrafamento na distribuição de longas quando a situação voltar ao normal.
Maior distribuidora de produções nacionais, a Downtown Filmes cancelou oficialmente a data de No gogó do Paulinho, comédia de Roberto Santucci, que não vai mais estrear em 16 de abril. Mas há outros títulos concorridos com datas ameaçadas, como Depois a louca sou eu (comédia com Débora Falabella, 30 de abril), Marighella (primeira direção de Wagner Moura, 14 de maio), Eduardo e Mônica (inspirado na canção da Legião Urbana, 11 de junho) e Detetives do Prédio Azul 3 (sequência da franquia infantojuvenil, 25 de junho).
Bagunça
“É uma situação nova para todo mundo, não dá para prever nada ainda. Imagino que os filmes mais fracos, medianos, irão direto para outras mídias. Vão prevalecer as produções com mais força (potencial de público)”, comenta Bruno Wainer, da Downtown. Também distribuidor – é sócio da Arteplex, ligada ao mercado independente –, Adhemar Oliveira é da mesma opinião. “Está a maior bagunça, vamos ter que apagar o calendário já feito. Não adianta falar de uma data tal se não sabemos o que acontecerá.”
A Vitrine Filmes, outra distribuidora do meio independente, voltada para a produção nacional, já cancelou quatro lançamentos até o fim de abril – o primeiro deles, que estrearia amanhã, é Três verões, de Sandra Kogut. “O cinema independente tende a sofrer mais, porque as grandes empresas têm volume de negócios maior e podem segurar um filme por mais tempo. Mas o independente depende de cada lançamento”, comenta Felipe Lopes, da Vitrine.
De acordo com ele, como filmes nacionais produzidos com recursos públicos têm a obrigatoriedade de chegar às salas, o espaço deles pode diminuir. “Como a concorrência será maior, haverá redução no tamanho dos lançamentos.”
Outra ponta da cadeia, a produção, está se adaptando aos tempos do coronavírus. Sócio da Camisa Listrada, produtora criada em Belo Horizonte e hoje sediada no Rio de Janeiro, André Carreira tem quatro projetos de longas. Dois deles já finalizados – No gogó do Paulinho e O palestrante, com Fábio Porchat, previsto para 15 de outubro – e duas produções para a Netflix – Tudo bem no Natal que vem, longa com Leandro Hassum, e O carnaval, comédia sobre uma influenciadora digital que vai com as amigas curtir a folia.
Desses, apenas O carnaval ainda tem algumas cenas para serem rodadas. “Estamos vendo como resolver, mas não é uma situação crítica”, diz Carreira. Para ele, o mais importante é encontrar meios para o trabalho prosseguir. “Vários fornecedores estão alterando a rotina, os estúdios de som estão restringindo horários de trabalho. Estamos montando a ilha de edição na casa dos editores para eles trabalharem lá. Porém, por mais que a gente se adapte, o rendimento será outro”, observa Carreira, que não sabe ainda como ficará seu cronograma.
Ana Luiza Azevedo é outra profissional do audiovisual que atua em diferentes pontas. Como diretora, viu seu novo longa, Aos olhos de Ernesto (previsto para 2 de abril), adiado. “Tem a frustração, pois você interrompe um processo, mas não podemos ser incoerentes. Ao mesmo tempo em que dizemos para as pessoas não irem ao cinema, não podemos lançar um filme sobre a possibilidade de viver intensamente quando você tem 78 anos. O Jorge Bolani (ator uruguaio, protagonista) tem essa idade. Ele viria do Uruguai para o lançamento. Não posso exigir que faça a viagem”, comenta ela.
Internet
O streaming é a opção para eventos programados para este período. Ainda em andamento no MIS Santa Tereza, a mostra Imagem dos povos, que sofreu o esvaziamento das sessões no fim de semana, disponibiliza os filmes da francesa Alice Guy Blaché (1873-1968), pioneira do cinema, gratuitamente no site do projeto.
Já o É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários foi transferido para setembro. Mas no período original de sua 25ª edição (entre o fim de março e o início de abril), vai contar com uma etapa digital, por meio do site etudoverdade.com.br.
No exterior, a opção do streaming já se torna realidade. Nova versão para a história de Jane Austen, Emma é um dos primeiros lançamentos do cinema na era do coronavírus a chegar às plataformas digitais. Estreou nos cinemas em fevereiro e, nesta sexta (20), chega ao mercado de vídeo sob demanda norte-americano.
Também na sexta, a Universal Pictures lança para o mesmo mercado os filmes de terror O homem invisível e The hunt, ambas produções recentíssimas nas salas. O valor do aluguel, por 48 horas, é de US$ 19,99 (cerca de R$ 100). O cálculo foi feito a partir do custo de dois ingressos de cinema.
A novidade será testada agora no grande mercado ocidental em meio a uma de suas maiores crises. Na segunda-feira (16), a AMC, maior cadeia de cinemas dos EUA, anunciou o fechamento de suas 11 mil salas de exibição, em 630 mil estabelecimentos. Elas deixarão de funcionar de seis a 12 semanas. O anúncio ocorreu um dia depois de os prefeitos de Nova York e Los Angeles decretarem o fechamento dos cinemas em suas respectivas cidades.