Um dos mais importantes do cinema mundial, o Festival de Berlim divulga neste sábado (29) os vencedores de sua 70ª edição. Concorrem ao Urso de Ouro 18 filmes. O Brasil está no páreo, com Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que não empolgou a crítica.
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A recepção do longa na sessão para a imprensa, realizada no domingo passado (23), foi fria. Escrevendo para a Variety, o crítico Jay Weissberg afirmou: “Os objetivos dignos do filme são dificultados por uma obviedade que se sobrepõe à sutileza – ter uma personagem expressando sua culpa colonialista ao ver os fantasmas de escravos mortos parece ultrapassado demais quando apresentado com uma histeria tão freudiana”.
Todos os mortos conta uma história que se passa na cidade de São Paulo, no período imediatamente posterior à abolição da escravatura, e tenta mostrar as tensões raciais próprias daquela época – e presentes ainda hoje. A trama acompanha a trajetória de uma família branca decadente, em parte pelo impacto da perda de escravos. O clã foi abandonado pelo patriarca e agora se restringe às mulheres. Em paralelo, tem-se a história da ex-escrava Iná Nascimento (Mawusi Tulani) e seu filho João (Agyei Augusto).
Iná agora trabalha para a família de aristocratas, que exibe dificuldade em se adaptar à nova realidade privada dos privilégios de antes e à condição de Iná como mulher livre. Os ex-escravos, por sua vez, tentam resgatar suas raízes e tradições a partir da liberdade. A trama envolve a existência de fantasmas, como prenuncia o título do filme.
O crítico Boyd van Hoeij, do Hollywood Reporter, avaliou que “o resultado parece mais uma árida e interminável palestra do que uma história humana envolvente sobre questões sérias”.
JÚRI
O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, diretor de Aquarius e Bacurau, é um dos sete integrantes do júri da mostra competitiva, presidido pelo ator britânico Jeremy Irons. Além do Urso de Ouro para o melhor filme, serão entregues neste sábado o Urso de Prata para direção, roteiro, atuação, contribuição artística, curta-metragem, e o Prêmio Especial do Júri.
Depois de uma semana de exibições, iniciadas no último dia 20, o Festival de Berlim reafirmou sua inclinação por títulos que abordam questões de urgência social e crítica política. Em suas diferentes seções, a mostra alemã exibiu outros 18 filmes brasileiros.
Entre os concorrentes deste ano que mais chamaram a atenção da crítica está o russo DAU. Natasha, dirigido por Ilya Khrzhanovsky e Jekaterina Oertel. O longa faz parte do polêmico projeto artístico experimental chamado DAU, em que os realizadores reconstruíram uma vila ucraniana na França e contrataram russos exilados para viver ali, com roupas e utensílios dos tempos do regime soviético entre 1938 e 1968.
Na trama, a protagonista Natasha (Natasha Berezhnaya) trabalha na cantina de um instituto russo de pesquisa. O local é fechado, mas ela adora beber e se relacionar. Fala de amor, sexo e outros assuntos sem meias medidas. O filme inclui cenas de violência, tortura e até sexo explícito em suas 2h30min de duração.
Segundo os diretores, a ideia é reproduzir a sensação de medo e insegurança de viver sob um regime totalitário, em sua opinião ainda presente na Rússia de Vladimir Putin, onde o filme está proibido de ser exibido, classificado pelo ministério responsável como “propaganda pornográfica”. Em Berlim, ele provocou opiniões fortemente antagônicas na crítica.
COREIA DO SUL
O cultuado sul-coreano Hong Sang-soo, por sua vez, teve uma recepção amplamente favorável a The woman who ran, cuja história, conforme diz o título, mostra uma mulher “em fuga” e seus encontros com outras pessoas nesse processo. Outro candidato asiático é Days, do malaio-taiwanês Tsai Ming-Liang, exibido no penúltimo dia da disputa.
O longa, ambientado em Bangcoc (Tailândia), aborda os encontros de um jovem garoto de programa com um homem mais velho, doente e confinado em sua própria residência. Forte representante da temática LGBT, o filme tem também um viés documental sobre a prostituição masculina e o envelhecimento.
Outro destaque é Berlin Alexanderplatz, do germano-afegão Burhan Qurbani. Uma adaptação para os dias atuais do romance homônimo escrito por Alfred Doblin, em 1929, que aborda as tensões migratórias na Alemanha. Além dele, First cow (EUA), da diretora Kelly Reichardt, chamou a atenção ao propor um western protagonizado por um chinês e um norte-americano.
Da Itália, país do novo diretor artístico do festival, Carlo Chatrian, responsável pela curadoria, vêm os concorrentes Favolacce, de Damiano e Fabio D'Innocenzo, e Volevo nascondermi, de Giorgio Diritti. Os últimos filmes apresentados na mostra principal foram Irradiés, do cambojano Rithy Panh, e There is no evil, do iraniano Mohammad Rasoulof, programados para a noite de sexta-feira (28).
No domingo (1º/3), o festival promove uma repescagem para o público, que tem a chance de votar em seus favoritos. O Brasil venceu duas vezes o Urso de Ouro – em 1998, com Central do Brasil, de Walter Salles, que deu também o prêmio de melhor atriz a Fernanda Montenegro; e com Tropa de Elite, de José Padilha, em 2008. (Com agências de notícias)
Redação da Cahiers du cinéma se demite
Bíblia dos cinéfilos, a revista francesa Cahiers du cinéma perdeu todos os seus jornalistas nesta semana. Na quinta-feira (27), os 15 redatores assalariados da publicação mensal anunciaram que deixariam seus cargos, por não concordar com as diretrizes e o perfil dos novos acionistas da empresa.
Os empregados optaram pela cláusula de cessão, um dispositivo de demissão que os jornalistas podem ativar em caso de mudança de propriedade. No início deste mês, Richard Schlagman, ex-proprietário das Ediciones Phaïdon, que comprou o jornal Le Monde em 2009, vendeu a revista a um grupo de cerca de 20 personalidades, entre as quais proprietários de provedores de televisão a cabo, redes de notícias e sites de namoro na internet, além de produtores de filmes (Marc du Pontavice, Toufik Ayadi, Christophe Barral, Pascal Caucheteux).
“Os novos acionistas, incluindo oito produtores, levantam um conflito de interesse imediato em uma revista de crítica. Quaisquer que sejam os artigos publicados nos filmes desses produtores, eles serão suspeitos de complacência”, destaca o comunicado conjunto de demissão.
A Cahiers du cinéma foi fundada em 1951 pelo intelectual André Bazin e contribuiu decisivamente para o nascimento da Nouvelle Vague. Muitos dos colaboradores da revista passaram a dirigir filmes essenciais do movimento, como Jean-Luc Godard, François Truffaut e Claude Chabrol. A publicação também é responsável por séries de entrevistas com grandes diretores, que mais tarde foram editadas em livro, tal sua relevância para a compreensão da obra e do pensamento dos artistas.
As vendas da Cahiers caíram nos últimos anos, de 15 mil cópias em média, em 2015, para 12 mil no ano passado. (AFP)