O longa "Todos os mortos", dos diretores Caetano Gotardo e Marco Dutra, concorre neste domingo (23) ao Urso de Ouro no Festival de Berlim, mostrando o racismo e a violência contra a comunidade negra no Brasil vistos a partir do processo histórico. Ambientado no século XIX, após a abolição da escravatura e o surgimento da República, o filme se passa em uma época na qual, segundo os diretores, "perdeu-se a oportunidade" de unir os povos indígenas, antigos colonos e escravos.
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Em São Paulo, uma família de mulheres ex-proprietárias de uma grande plantação de café a beira da ruína não sabe como se adaptar a esse novo momento sem os privilégios de antes, enquanto os seus antigos escravos tentam resgatar suas raízes e tradições a partir da liberdade. "Nessa época foram colocados os pilares da sociedade brasileira", comentou Marco Dutra à AFP.
"Ainda que muitas teorias respeitadas afirmem que o Brasil foi criado a partir da mistura de identidades, a realidade é outra: é um país muito racista", acrescentou o diretor.
Ao longo dos 120 minutos do longa, surgem sons contemporâneos, como os de um avião e de ambulâncias, incoerências que o espectador começa a entender à medida que o filme avança.
A violência física contra a comunidade negra, que continua "sendo perpetuada pelo estado e pela elite branca", segundo Caetano Gotardo, é outro assunto tratado a partir da perspectiva histórica. "A maioria dos assassinatos no Brasil são de jovens negros. A violência está presente. Porém, não queiramos ser fatalistas, porque há pessoas que seguem resistindo", disse.
Para os diretores de "Todos os mortos", o debate sobre a identidade brasileira se polarizou com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência. "Esse governo reforça a ideia de que no Brasil há pessoas boas e ruins, de que há coisas que devem prevalecer e outras desaparecer. Devemos continuar discutindo a partir da moderação", afirma Gotardo.
"Todos os mortos" disputa pelo Urso de Ouro na Berlinale, cuja lista de vencedores será anunciada no próximo 29 de fevereiro, e lidera a lista de 19 produções brasileiras selecionadas para diferentes sessões do festival de Berlim.
O cinema sul-americano está sofrendo perdas de patrocínio sob o governo Bolsonaro, que extinguiu o Ministério da Cultura e diluiu as pastas do órgão em diversas secretarias. "Claro que precisamos dos subsídios, lutaremos por ele, mas seguiremos filmando aconteça o que acontecer, nem que seja com os nossos celulares", ressaltou Dutra.