A vitória inédita no Oscar alcançada pelo filme sul-coreano Parasita, do diretor Bong Joon-ho, quebrou 92 anos de tradição em Hollywood e abre uma nova era para filmes coreanos e estrangeiros no primeiro plano do cinema mundial.
Parasita, que conta a infiltração de uma família pobre em uma casa rica, conquistou no domingo quatro prêmios no Oscar - melhor filme, melhor diretor, melhor filme internacional e melhor roteiro original - tornando-se o primeiro filme de língua não-inglesa a levar o principal prêmio de Hollywood, desde que esses prêmios foram criados em 1929.
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Adversários do filme de Petra Costa comemoram sua derrota no Oscar Noite do Oscar foi pesadelo para a NetflixOnde encontrar filmes de Bong Joon-ho, diretor de 'Parasita'Depois do Oscar, 'Parasita' conquista as salas de cinema no BrasilAo contrário de 'Parasita', a Coreia do Sul vista na Netflix é Ilha da FantasiaDiretor de 'Parasita' é fã de Glauber Rocha e pensa em conhecer o carnaval do BrasilA Academia tem estado "obcecada com filmes em inglês feitos por brancos", acrescenta, tornando "mais difícil para um coreano ganhar um Oscar com um filme falado em coreano do que ganhar o Prêmio Nobel de Literatura".
Os prêmios recebidos por Parasita anunciam a "chegada de uma nova era" e isso gera "um tremendo potencial" para filmes estrangeiros nos Estados Unidos, afirma Gina Kim, professora da UCLA e diretora de cinema.
Hollywood "continua a prevalecer e domina a indústria cinematográfica mundial", afirma à AFP. "É notório que não permitia que filmes em língua estrangeira entrassem em seu pátio. Com o sucesso de Parasita, isso muda".
Após sua vitória, o diretor sul-coreano disse à imprensa que as pessoas do planeta estão cada vez mais conectadas.
"Assim, um dia chegaremos a uma situação em que não importa se um filme é falado ou não em uma língua estrangeira", acrescentou.
Presença crescente
O histórico prêmio a Bong coroa o ano de 2019, no qual se comemorou o 100º aniversário do cinema sul-coreano.
A Coreia do Sul possui a quinta maior indústria cinematográfica do mundo, e sua presença está crescendo nos últimos anos e décadas no circuito de festivais ao redor do planeta.
Em 2004, o filme de ação de Park Chan-wook, Oldboy, venceu o Grand Prix em Cannes. Além disso, o drama do diretor Kim Ki-duk, Pieta (2012), ganhou o Leão de Ouro de Veneza.
O cinema sul-coreano também foi convidado para Hollywood em 2013, com o terror psicológico de Park Chan-wook "Segredos de Sangue", com Nicole Kidman e Mia Wasikowska, e com "Expresso do Amanhã", do próprio Bong, um filme de ficção científica distópico com Tilda Swinton e Ed Harris.
O cinema sul-coreano teve um renascimento nos anos 90, com o surgimento da democracia após décadas de ditadura militar.
O Oscar de Bong "é uma ocasião inesperada para o cinema sul-coreano valorizar todos os talentos que viu nos últimos anos", observa Jason Bechervaise, professor da universidade sul-coreana Soongsil Cyber.
A receita sul-coreana é, sem dúvida, uma homenagem à liberdade e ousadia de seus artistas. Em 2007, o ex-presidente Kim Dae-jung havia insistido com o governo: "Ofereça apoio financeiro a artistas, mas acima de tudo nunca intervenha em seus trabalhos. Assim que o governo interfere, as indústrias criativas quebram".
O sucesso de "Parasita" também despertou grande entusiasmo na diáspora asiática da América do Norte, causando grandes reações de alegria pelo autor coreano-americano Min Jin Lee e pela atriz Sandra Oh.
A representação de asiáticos nos filmes de Hollywood "ainda é muito esporádica", apesar do sucesso em 2018 da comédia romântica "Podres de Ricos", com apenas atores asiáticos, lembra Michael Hurt, sociólogo da Universidade de Seul.