As indicações ao Oscar de melhor filme, pelo segundo ano consecutivo, parecem, mais do que enfatizar um saudosismo no reflexo da sociedade ao qual o prêmio se propõe, cristalizar uma tendência acentuada nos últimos oito anos: Hollywood não sabe viver sem celebrar o passado.
Nos últimos 10 anos, os prêmios da Academia renderam nada menos do que oito estatuetas centrais para longas-metragens com tramas situadas no passado. De Guerra ao terror (2010) até a consagração de Green Book: o guia (2019), houve de O artista (2012) — que saudou a era muda e, em preto e branco, da sétima arte — a 12 anos de escravidão.
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Jojo Rabbit
• Já houve quem comparasse o humor adotado na cômica adaptação do romance de Christine Leunens, no longa Jojo Rabbit, à verve disposta por artistas do Monty Python. Certo é que, ambientado na Segunda Guerra, o filme assinado por Taika Waititi trata do ódio contra a Resistência que ousou enfrentar ideais nazistas. Na trama, o pequeno alemão Jojo (Roman Griffin Davis) fica entre a cruz e a espada. Deve abraçar o estapafúrdio amigo imaginário Hitler (Waititi, também ator) ou descolar da vida os preceitos da Juventude Hitlerista, encarando os ensinamentos da maternal figura interpretada por Scarlett Johansson?
Adoráveis mulheres
• Não são as roupas de acabamento impecável e repletas de babados que mais chamam a atenção, neste novo clássico do cinema detido na adaptação de um romance publicado em 1868: Mulherzinhas. Costumes instituídos, na tela, são confrontados pelas personagens da magnitude de Jo (Saoirse Ronan) e Mãezinha (Laura Dern), na crítica visão de mundo projetada pela diretora e roteirista Greta Gerwig.
1917
• Dono de 10 indicações ao Oscar, o mais recente filme de Sam Mendes tem metade das candidaturas a melhor do ano implicadas na construção técnica de uma era — a reta final da Primeira Guerra. Uma missão dada como impossível — atravessar as fronteiras turvas que separam alemães dos oponentes britânicos — é jogada no colo dos amigos Blake e Schofield. O filme promete reavivar a preferência dos votantes da Academia em homenagear heroicos feitos de uma guerra que, até hoje proporcionou apenas os primeiros prêmios de melhor filme do Oscar: Asas (1927) e Sem novidades no front (1930).
O irlandês
• Não é exagero dizer que o enredo do filme de Martin Scorsese atravessa décadas. Em mais de três horas de duração, a trama aglomera feitos, particularmente, entre os anos de 1950 e os idos da década de 70, a fim de explicar frentes distintas de ação de personagens complexos como o arrependido Frank Sheeran (Robert De Niro), e dois homens que representam a bifurcação de seu comportamento ético: o mentor da máfia Bufalino (Joe Pesci) e o controverso líder sindical Jimmy Hoffa (Al Pacino). Com uma das mais preciosas reconstituições de época do cinema, o longa, claro, tem, entre as 10 indicações ao Oscar, seleção pelo melhor figurino, o melhor design de produção e os efeitos visuais, tudo possibilitado por orçamento superior a US$ 140 milhões.
Coringa
• Remover dados vinculados ao presente foi um norte na criação do roteiro. Na linha que acentua a ruptura social de uma Nova York sombria e com imagem desgastada, dada a greve dos lixeiros ocorrida em 1981, os criadores optaram por moldar assim a cidade de Gotham que emoldura a insana trajetória do Coringa. Há alusões a Taxi driver (1976), inclusive com Robert De Niro atuando na fita que, indiretamente, ainda pode ser associada a um filme em produção no 1981 enfocado por Coringa: O rei da comédia, com De Niro, e que avança no universo da stand up comedy e dos talk shows, elementos da fita.
Era uma vez em... Hollywood
• Feito de referências e reverências aos fins dos anos de 1960, o nono filme de Quentin Tarantino se apropria de um dispositvo que travou parte dos excessos sessentistas. A Guerra do Vietnã e o exame de um crime contra Sharon Tate movem o enredo concentrado numa propriedade de Cielo Dr. (Los Angeles). Quem rouba a cena é a dupla Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, inseparáveis astro decadente de cinema e o dublê dele. Detalhes como o uso do Cinerama, exame das comunidades hippie e um passeio pelo famoso restaurante Musso & Frank Grill fazem a festa dos saudosistas.
Ford vs. Ferrari
• Uma dinâmica disputa em meio aos bastidores do automobilismo, na conjuntura da invencibilidade da Ferrari, que acumulou seis vitórias na tradicional 24 Horas de Le Mans (França), move este filme situado no ano de 1966. O magnetismo nas pistas e as emoções dos profissionais das equipes tolhidas ou incentivadas por arranjos de empresas colorem o filme assinado por James Mangold. Entre maquinário arrojado, os aspectos humanos cabem a Matt Damon (que incorpora o corredor Carroll Shelby) e ao destacado Christian Bale, na pele do exaltado piloto inglês Ken Miles.