Niterói – Em sua primeira passagem pelo país, Juliette Binoche deixou o Brasil no domingo (1º). Convidada a celebrar os 30 anos da Imovision, a atriz francesa ficou apenas dois dias entre Niterói – onde está localizado o cinema Reserva Cultural, palco da festa de comemoração da distribuidora de filmes independentes – e o Rio de Janeiro.
Cumpriu o papel de celebridade, fazendo fotos, concedendo entrevistas e subindo ao palco (ao lado do diretor Walter Salles, amigo de muitos anos) para celebrar o cinema. Cumpriu o papel de turista, foi ao Cristo Redentor e ao ensaio da Mangueira. “Ainda sou eu mesma quando estou neste papel. Há liberdade, apesar do personagem”, afirma.
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Binoche tem 55 anos e é, da sua geração, a atriz mais conhecida da França. Fez mais de 60 filmes, atuando sob as mãos de Krzysztof Kieslowski, Louis Malle, Michael Haneke, Jean-Luc Godard, Abbas Kiarostami, David Cronenberg e André Téchiné. Ao mesmo tempo em que foi dirigida por grandes cineastas, tampouco se intimidou em enveredar no cinema comercial – esteve em Godzilla (2014). Com uma série de prêmios em festivais, é detentora do Oscar de atriz coadjuvante por O paciente inglês (1996).
Na entrevista concedida ao Estado de Minas, Binoche falou sobre o que pauta suas escolhas no cinema, assédio, movimento MeToo e como lida com a passagem dos anos. Quanto ao Brasil, quem sabe voltará em um futuro próximo? Projeto em desenvolvimento, Camino real, adaptação da peça homônima de Tennessee Williams dirigida por Ethan Hawke, deve ser rodada no país. “Sim, falamos sobre o filme. Não sei quando será, mas adoraria fazer.”
Chama a atenção a quantidade de filmes que você já fez e, mais ainda, a qualidade dos diretores com quem trabalhou. Como você escolhe seus papéis no cinema?
Chama a atenção a quantidade de filmes que você já fez e, mais ainda, a qualidade dos diretores com quem trabalhou. Como você escolhe seus papéis no cinema?
Nunca contei, mas acho que são 60 e poucos filmes. Eles me escolhem tanto quanto os escolho. É interessante pensar nisso, porque recentemente me foram apresentados bons roteiros, a maioria deles sobre a jornada de uma mulher através de suas emoções. Fiquei pensando: sou muito privilegiada, tenho mais de 50 anos e continuo recebendo bons papéis. Minha questão principal é: o que é novo para mim? É algo que nunca fiz antes, é algo que quero arriscar? Há pouco tempo, disse não para quatro possíveis filmes por causa disso. E também porque não preciso trabalhar muito agora, já trabalhei demais, tirei um tempo livre. Mas se tudo correr bem, farei um filme nos Estados Unidos, vou interpretar uma motorista de caminhão. Terei de aprender a dirigir um.
Você costuma assistir novamente a seus filmes antigos?
Muito raramente, devo dizer. Costumo ficar no tempo presente. Como trabalho muito, não tenho tempo. Mas de vez em quando assisto, quando estou me preparando para um novo papel e quero comparar com algo que já fiz. Você tem as memórias que estão no seu corpo e na sua cabeça, mas há situações em que surge um tema ou um personagem próximo de algo que já fez. Então, assisto para tentar fazer diferente. E ainda há o caso de assistir a um filme com algum parente próximo que ainda não o tenha visto.
Como atriz, você costuma ser muito severa consigo mesma?
Muito. Como artista, você tem que ser rígida. Atuar é um trabalho difícil, é um trabalho privilegiado, é um trabalho de responsabilidade. Então, você tem que ter muita certeza sobre as coisas que faz, as pessoas com quem trabalha e a razão de fazer aquilo, pois tem de ir a fundo nessas tantas questões que as personagens demandam.
Foi difícil se desvencilhar de algum personagem depois de encerradas as filmagens?
A única complicada foi minha primeira protagonista (Nina, a jovem atriz de Rendez-vous, dirigido por André Téchiné em 1985). Fiquei com a equipe rodando o filme durante dois meses. Estava frio, fiquei doente, tive muita febre durante e depois. Foi difícil. Posso dizer que aquele foi o meu momento de passagem. Hoje, sinto falta das pessoas e do projeto quando acaba, mas sei que vou encontrar tudo de novo. Além do mais, cinema é movimento, transformação, ir de um lugar ao outro. Você não pode ficar presa a um papel, pois não há lugar seguro no cinema.
Em entrevista ao jornal Le Monde, em outubro de 2017, você revelou que havia sofrido agressões sexuais quando jovem (aos 7, 18 e 21 anos). Essa revelação ocorreu na época da explosão do #MeToo. Passados pouco mais de dois anos do movimento contra o assédio e agressão sexual no cinema, algo mudou para você?
Para mim não, porque sempre atuei pela mulher em todos os níveis. Escolhi filmes que falavam sobre mulheres. Fui criada em uma família que sempre deu importância à necessidade de acordar e cuidar do feminino. Isso se deve principalmente a minha mãe. (Na entrevista) Eu disse que ocorreram coisas comigo quando pequena e também quando era uma jovem atriz, muito antes do #MeToo. Lembro-me do diretor (segundo a entrevista de 2017, após o jantar em que a convidou para um projeto, ele pulou em cima da atriz para beijá-la) dizendo para mim que tinha de falar que o que tinha revelado na entrevista não era verdade, pois daí ele não teria problemas com a mulher. Não queria destruí-lo, mas tinha que dizer a verdade. Achei importante naquele momento, ainda mais porque me perguntaram sobre o relacionamento entre diretores e atrizes. Agora, acho que definitivamente o #MeToo tem ajudado as mulheres, e também os homens, a terem consciência do que se pode dizer. Nesse sentido, o movimento é muito positivo.
É difícil para uma atriz envelhecer na tela grande?
Não poderia dizer que é fácil. Mas também não vou dizer que me surpreendo e digo “uau!” quando me vejo em grande escala. Devemos nos esquecer de nós mesmos, embaçar os olhos? Acho que é uma boa maneira de trabalhar o ego (risos). Não, a verdade é que estou feliz com o que faço. Gosto das minhas escolhas, apesar de ter vivido altos e baixos, como todo mundo. Houve momentos em que não sabia onde estava indo, mas encontrei meu guia interno, então não me sinto sozinha. O importante é ter um tempo só para mim, para encontrar meu centro. Se você tem um senso de onde está, tudo fica mais fácil.
A casa do cinema autoral
Na pequena sala de projeção, passados 20 minutos do início do longa, o distribuidor Jean-Thomas Bernardini ouviu do amigo: “Vamos sair para tomar um café?”. Bernardini, a despeito do “filme lento, com uma língua estranha, em que uma menina segurava um balão”, resolveu ficar. Terminada a exibição privada, decidiu comprar O balão branco (1995), de Jafar Panahi.
Foi o primeiro filme do Irã adquirido pela Imovision. A onda iraniana, transformada em febre do cinema de autor nos anos 1990, foi toda distribuída no Brasil pela Imovision. Assim como todos os longas do Dogma, o movimento que previa um cinema mais realista e sem artifícios técnicos.
Graduado em psicologia na França, Bernardini chegou ao Brasil em 1978. Não demorou a se tornar representante da confecção de jeans McKeen. O cinema veio por acaso e o tomou de uma forma que há 15 anos se tornou exibidor. Inaugurou na Avenida Paulista o Reserva Cultural, complexo de cinemas de arte – o de Niterói veio em 2016.
A Imovision encerra sua terceira década com cerca de 500 títulos lançados – só cinema autoral, de vários países. Atualmente, 65% de seus títulos são franceses. “Se o filme me emociona e me lembro no dia seguinte, acredito nele”, afirma Bernardini sobre o critério para adquirir títulos. O feeling nem sempre dá certo, é verdade. Bem-vindo a Nova York (2014), com Gérard Depardieu, “apesar da boa reputação em Cannes, fez 10% do que eu esperava”, conta.
Não dá para competir com blockbusters. “Hoje, se um filme faz 50 mil (espectadores), fico bem contente”, diz Bernardini, que, a despeito das dificuldades, “nunca quebrou”. Seguindo em frente, ele chega ao fim de 2019 com 32 títulos lançados no país por sua distribuidora.
A repórter viajou a convite da Imovision