Que olhar a gente lança e como nos propomos a nos relacionar com o outro? Ainda mais quando esse outro é tão diferente de nós? Tais questões oferecem caminhos diversos para serem respondidas. A cineasta e artista visual carioca Maya Da-Rin levou sete anos para conceber e realizar seu primeiro longa-metragem de ficção, A febre. O filme trata justamente disso ao colocar no centro da narrativa um pai e a filha indígenas que vivem em Manaus.
Lançado em agosto no Festival de Locarno, na Suíça, A febre vem participando do circuito de eventos do gênero. Está na competitiva do Festival de Brasília, que termina no domingo. Em BH, a première será nesta sexta-feira (29), no Cine Humberto Mauro. A sessão, seguida de debate com Maya Da-Rin, a atriz Rosa Peixoto e o diretor de som Felippe Mussel, integra a programação do 23º Forumdoc.BH – Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte.
saiba mais
Justino (Regis Myrupu) é indígena do povo desano. Viúvo, mora na capital amazonense há duas décadas. Trabalha como vigia no porto, enquanto a filha, Vanessa (Rosa Peixoto), é enfermeira de um posto de saúde na periferia de Manaus. A notícia de que ela foi aceita para estudar medicina na Universidade de Brasília o afeta. Tomado por uma febre intermitente, Justino passa por momentos difíceis. Durante o dia, luta para se manter acordado no trabalho, onde não é bem-visto. Quando a noite cai, vê-se perseguido por uma criatura misteriosa.
A febre é falado em duas línguas: português (utilizado por pai e filha nos locais de trabalho) e tukano (em casa). O tukano é a língua franca dos 23 povos que habitam o Alto Rio Negro, na fronteira do Brasil com a Venezuela.
“O filme fala do embate que ocorre em um momento da vida de uma família e também de como (os personagens) estão experienciando o contato com a sociedade não indígena. Todo o processo de produção do filme acabou permeado por isso”, comenta Maya. “O que de produtivo pode sair desse contato, sabendo que vivemos em um país que tem questões seculares com os povos indígenas, pois nossa sociedade os entende como não sendo uma sociedade?”, questiona a diretora.
O longa nasceu de dois documentários – Margem (2006) e Terras (2009), ambos exibidos no Forumdoc – realizados por Maya na Amazônia. Naquele momento, ela teve contato com famílias indígenas que haviam deixado aldeias na floresta para viver na cidade. A diretora levou um ano para definir o elenco, período em que conversou com 500 pessoas.
Todo esse processo afetou a criação do roteiro. Elaborado em português, ele foi reescrito à medida que os ensaios eram realizados. “Começávamos cada cena lendo em português. Depois líamos juntos para improvisar. Aí eles faziam em tukano, e eu, como não entendo, ficava atenta a outras questões, como o movimento corporal. Quando voltavam a fazer a mesma cena em português, eu percebia como ela havia se transformado. A gente ia e voltava, tanto que cada cena foi feita em 10, 15 takes. Entendi que era necessário repetir e repetir”, comenta Maya. Essa maneira de trabalhar com o elenco deu certo. Regis Myrupu saiu do Festival de Locarno com o prêmio de melhor ator. Em outubro, A febre ganhou o troféu de melhor filme no Festival de Biarritz, na França.
A FEBRE
O filme será exibido nesta sexta-feira (29), às 21h, no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Após a sessão do Forumdoc., haverá bate-papo com a diretora Maya Da-Rin, a atriz Rosa Peixoto e o diretor de som Felippe Mussel. Entrada franca. Informações: (31) 3236-7400.