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Robert De Niro e Al Palcino dão show em 'O irlandês'


Havia espectadores, cinéfilos, que esperavam há décadas pelo reencontro de Robert De Niro e Al Pacino. Estiveram juntos em O poderoso chefão 2, de Francis Ford Coppola. Coestrelaram Heat/Fogo contra fogo, thriller de Michael Mann, de 1995, que se tornou objeto de culto. Martin Scorsese considera-o um dos grandes filmes de “cops and robbers” da história de Hollywood. Foi há 20 anos. Naquela época, o início dos anos 1990, Scorsese fizera seus últimos grandes longas – coincidentemente, obras sobre a Máfia. Os bons companheiros/Goodfellas e Cassino, ambos com De Niro e Joe Pesci. Estão agora todos de volta – Scorsese e seus atores, De Niro, Pesci, Pacino. Todos velhos, mais velhos. O dado não é irrelevante. O irlandês, que estreou esta semana na Netflix, começa num retiro para aposentados. A câmera vaga pelos corredores até chegar a De Niro, que vai contar a sua história.



Ele é o homem que pintava paredes. Na terminologia da Máfia, trata-se de um “sinônimo” de assassino profissional. De Niro explodia cabeças com tiros à queima-roupa e “pintava paredes” com o sangue que esguichava. Este mês, O irlandês foi exibido em 19 cinemas de todo o país – nenhum deles em BH. Dessa forma, cumpre o rito, do lançamento nas salas, para se habilitar a concorrer ao Oscar.

No filme, o velho de O irlandês volta-se para o próprio passado. Faz uma viagem de carro com o personagem de Pesci. Dois velhos e suas mulheres. Na primeira parada, vem a lembrança do primeiro encontro. Como tudo começou. Steve Zaillian assina o roteiro. Foi o roteirista vencedor do Oscar por A lista de Schindler, de Steven Spielberg. Para o novo filme, baseou-se no livro de Charles Brandt, I heard you paint houses, com as memórias de Frank Sheeran, o personagem de De Niro. Historiadores de crimes nos EUA dizem que o livro não é confiável e que Sheeran é mitômano. Mas a história é boa e, como dizia o mestre John Ford por meio do editor Edmund O’Brien, de O homem que matou o facínora, às vezes é melhor imprimir a lenda. No centro da trama está um enigma: o desaparecimento de Jimmy Hoffa, o todo-poderoso presidente do sindicato dos caminheiros. Pacino é quem faz o papel.

São todos amigos: Frank, Jimmy, Russell Bufalino (Pesci). Amigos, amigos, negócios à parte, como diria Billy Wilder. Hoffa prejudica os negócios do crime organizado. Torna-se uma ameaça que é preciso eliminar. Impossível, diz Frank – ele é o segundo homem mais poderoso dos EUA depois do presidente. Russ/Pesci acha que nada é impossível; afinal, o próprio John Fitzgerald Kennedy foi vítima daqueles tiros em Dallas, em 22 de novembro de 1963.



Esse filme sobre velhos, que se reúnem para validar e executar assassinatos, é sobre poder e dinheiro, amizade e lealdade. Alguém já disse que é sobre laços dissolvendo-se na longa noite das almas, quando ocorrem todas as traições.

AMIZADE

É o nono filme de Scorsese com De Niro, parceria que começou há muito tempo, nos anos 1970, e antes disso já vinha selada pela amizade. Você pode até achar que é brincadeira, mas tem havido ciumeira. Scorsese substituiu De Niro por Leonardo DiCaprio e ganhou o Oscar (de filme e direção) por Os infiltrados, mas, embora essa seja uma afirmação polêmica, só um louco pode achar que a fase DiCaprio é tão boa. Não é, e Scorsese há tempos deve a seu público um grande filme. Antes de ser um grande filme, O irlandês é um filme grande até na duração: 3h30min. O terço final, de uma hora inteira, é destinado a deslindar o affair Jimmy Hoffa. Sendo um filme de velhos, é bom que o espectador preste atenção no processo de envelhecimento de De Niro, Pesci e Pacino, e inversamente no rejuvenescimento do trio – e também de Harvey Keitel, que tem um papel importante no longa.

Aliás, são tantos velhos em cena que, com todo o respeito, a impressão, lá pelas tantas, é de que Scorsese liberou o asilo, fornecendo papéis a veteranos atores coadjuvantes que você nem sabia mais que estavam vivos. Trabalhando há tanto tempo juntos, chega a ser surpreendente que Scorsese – ele é cinéfilo, não se esqueçam – tenha pautado De Niro a fazer sua lição de casa. Exortou o ator a rever clássicos de gângsteres com o astro francês Jean Gabin, porque era aquele tom de interpretação que queria. (Estadão Conteúdo)