Claudio Assis, diretor do longa Piedade (concorrente ao Festival de Brasília) propiciou o encontro de Cauã Reymond com o grande público e, claro, o burburinho que ele sempre causa. O filme trata do esfacelamento de uma família frente ao poderio do avanço industrial. “Assis é um diretor irreverente, faca na caveira. Ele sempre te desafia, subverte e bota o dedo na ferida”, observa Cauã. Num telefonema de Assis, sob o tratamento de ‘cabra’, Cauã não pestanejou: mesmo sem ler o roteiro, tomou parte de Piedade.
Inseguro “mas feliz”, Cauã, que, reencontrou, no filme, Fernanda Montenegro (a Bia Falcão de Belíssima), encarou um lotado Cine Brasília na noite de sábado (23/11). Ao lado dele esteve um dos atores mais participativos dos filmes de Claudio Assis: Matheus Nachtergaele. Numa cena comentada, veio o pesado desafio: uma cena gay com o personagem de Nachtergaele.
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Coube ao astro de O auto da compadecida, na base da brincadeira, a avaliação do eventual parceiro da ficção: “Você sabe que uma cena de sexo diante das câmeras não é bem uma cena de sexo. Temos dificuldades adicionais (risos). É o estabelecimento de uma intimidade, diante de muitas pessoas da equipe. É preciso ter fé cênica, mas respeitar muito teu amigo de cena. Para saciar os desejos mais sórdidos (risos), posso confirmar, efetivamente, que Cauã é um homem lindíssimo. Mas o sexo, no filme, entra com o sentido de um sexo predatório, a serviço da história”, descreve Nachtergaele.
Como é levar o emblema de ator global fazendo filme alternativo? Que peso tem em ser Cauã Reymond?
Já fiz tantos filmes! Quando se fala isso, vem a anulação de uns 13 filmes feitos. Ouço isso e soa como 17 anos de eterna estreia (risos). Não tenho o peso de ser o Cauã — tenho a sensação de movimento, de força. Ser um ator global me ajudou a possibilitar os projetos de cinema. Inclusive, há dois anos, abrimos o Festival de Brasília com o longa Não devore meu coração, do qual sou coprodutor. Chegamos com o filme em festivais como Sundance e Berlim. Há seis anos tenho sido coprodutor de filmes numa lista que traz Alemão, Uma quase dupla e Tim Maia. Com a minha popularidade, ajudo a captar recursos e criar filmes nos quais acredito. Na maioria das vezes, nem são os comerciais. Eu sou mesmo é do cinema rebelde, do cinema de arte. Isso modificou e me levou a trabalhar em registro diferente na televisão. Principalmente na época em que as linguagens de tevê e cinema não se misturavam muito.
Quais são teus próximos projetos?
Sou produtor do Pedro, uma ideia minha e do meu sócio Mário Canivello. Convidamos a Laís Bodanzky para dirigir. É uma coprodução portuguesa. Vou ser protagonista da próxima novela das nove, depois de Amor de mãe, que será de Licia Manzio. Tô no ar, há menos de um mês, com a segunda temporada de Ilha de Ferro. Da novela, posso falar que faço dois irmãos, que são gêmeos (risos). Fiz a série Dois irmãos, na mesma condição. Na novela, eles serão muito distintos. Voltando ao cinema: no Pedro, faço D. Pedro I — a gente conta a história por meio de um olhar feminino. É a trajetória de quando ele foi expulso do Brasil até a chegada em Portugal. O espectador o vê fragilizado, mas conseguindo se reerguer, na chegada a Portugal, e sua reconquista do trono, com apoio de um Exército infinitamente menor.
E a cena que não quer calar, em Piedade, do encontro gay do teu personagem com o do Matheus Nachtergaele...
Tinha feito um filme com a Leandra Leal em que interpretei um homossexual. Foi muito bacana, chamava Estamos juntos e ganhei até prêmios. Não era um mergulho tão vertical quanto o exigido pelo Claudio Assis. O Matheus, agora, até disse pra mim: ‘Tô com medo que as pessoas se decepcionem (risos)’. Elas tão imaginando tantas coisas, há dois anos (risos). Tivemos muita exposição por causa do trecho do filme (risos). Quanto à pegada dele (risos)... O Matheus é um tubarão no filme. Ele tem que ter pegada, em todos os aspectos. O personagem dele é multinacional e pretende comprar terras de todo mundo, por conta da indústria do petróleo. Ele tem pegada com todos os personagens. Quanto ao filme, nem sabia se queria ver, pelo nervosismo e insegurança. Há uns sete anos não gosto de me assistir. Se tiver passando e vejo uma cena, eu paro. Só vejo os filmes em que sou produtor, ultimamente, porque esses sou obrigado a ver (risos).
Como é chegar quase aos 40 anos?
A gente vai amadurecendo. Isso te dá um olhar crítico sobre você mesmo. Você entende melhor acertos e erros. Pode soar arrogante, mas te dá uma potência, um olhar para o mundo mais amplo. Mais jovem, você olha mais para seu umbigo. Principalmente antes de ser pai. A paternidade e a maturidade agregaram um olhar amplo em mim. Tenho minha filha de sete anos (do casamento com Grazi Massafera). Considero que sou um artista que está sempre desabrochando, e curioso.
Qual o papel do ator, neste tempo de valorização das mulheres, das diretoras, das atrizes?
É o de abraçar a igualdade, em todos os aspectos. Nosso período de mudança não fala só do feminino. Fala de todos os gêneros, e de todas as possibilidades da sexualidade. Temos falado sobre racismo — é uma defesa de igualdade, como um todo. Há um tempo atrás, saí de uma novela e fiz um clipe da Barbara Ohana. Fiz um homem que se vestia de mulher. Não gosto de rotular trans ou travesti. Gosto de expressar um lugar mais amplo, e ali defendemos a tolerância. Abraçar as mudanças faz parte do artista.
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