Considerado o mais inovador dos discípulos de Rembrandt, o pintor holandês Carel Fabritius (1622-1654) viveu pouco. Morreu aos 32 anos, em decorrência da explosão de um armazém de pólvoras na cidade de Delft. O fogo, além de tirar sua vida, consumiu várias de suas telas. Poucas pinturas de Fabritius sobreviveram. O pintassilgo (1654) é uma delas.
Mais de três séculos depois, outra explosão envolve o quadro. No caso, fictícia. Um atentado terrorista no Metropolitan, em Nova York, acaba com várias vidas. O garoto Theo (Oakes Fegley) sobrevive, mas sua trajetória é irremediavelmente impactada pela tragédia. Aos 13 anos, ele se culpa pela morte da mãe, que não sobreviveu à explosão. Ele, que estava em outra sala do museu, admirava a pintura de Fabritius ao lado de um velho senhor e sua sobrinha, quando ocorreu o atentado. A menina e o quadro também sobrevivem – e O pintassilgo, que Theo leva com ele do museu, ganha um outro sentido para o menino órfão.
Em cartaz nos cines Diamond e Ponteio, em Belo Horizonte, a adaptação do romance homônimo da escritora Donna Tartt (obra vencedora do Pulitzer em 2014) leva a assinatura de John Crowley (Brooklyn). Mesmo com várias credenciais – além do sucesso de crítica, o livro se tornou um best seller e, na tela grande, os personagens são interpretados por um elenco estelar, incluindo Nicole Kidman, Ansel Elgort, Luke Wilson e Sarah Paulson, entre outros bons atores – o filme está fazendo história por motivos bem menos nobres.
Com críticas negativas desde sua première em setembro, no Festival de Toronto, O pintassilgo causou um prejuízo histórico à Warner e à Amazon. Custou US$ 45 milhões – nos EUA, onde estreou há quatro semanas, sua renda pouco ultrapassou a casa dos US$ 5 milhões. E seu desempenho na primeira semana naquele país foi tão ruim que ele entrou no sexto lugar do ranking de pior resultado de todos os tempos para longas que estrearam em mais de 2,5 mil salas.
A despeito de tudo isso, há que se dar uma chance ao filme. A crítica, de uma maneira geral, chamou a atenção para a fraca adaptação, o tom moroso da narrativa – e a rapidez com que a história é resolvida no final – e as idas e vindas no tempo. O filme é longo – dura 2 horas e meia. Mas seu ponto de partida, o romance de Donna Tartt, é um calhamaço de mais de 700 páginas, que atravessa diferentes períodos (no Brasil, foi editado pela Companhia das Letras).
PERDAS
Theo, ao perder a mãe, é enviado aos cuidados dos Barbour, uma aristocrática família de um colega de escola. Sem um lugar no mundo, quando o garoto começa a se abrir – e a relação de admiração mútua com a sra. Barbour (Nicole Kidman) é determinante para ele criar um sentimento de pertencimento – ele é obrigado a ir embora com o pai e sua namorada (Luke Wilson e Sarah Paulson), dois picaretas que vivem em uma cidade-fantasma no deserto da Califórnia. Ali, o garoto nova-iorquino que gosta de arte e de móveis antigos encontra um elo improvável: o russo Boris (Finn Wolfhard), um menino tão anacrônico quanto ele. Novamente, quando a vida parece entrar nos eixos, outra perda vai tirar o garoto de seu lugar.
O pintassilgo acompanha Theo da adolescência à idade adulta (neste caso, o personagem é interpretado por Ansel Elgort, de A culpa é das estrelas). Mais maduro, ele demonstra em público uma segurança que não tem na intimidade. O reencontro com Boris vai detonar uma reviravolta em sua história – e a tragédia do Metropolitan passará a ser vista por outra perspectiva.
O filme nos é apresentado como um drama familiar e, à medida que a trama se desenvolve, ele ganha nuances de thriller. Mesmo que em certos momentos careça de vida, o longa tem como maiores trunfos a interpretação de Kidman (melancólica e frágil como os quadros que sua personagem guarda em casa) e a de Oakes Fegley. O carisma do jovem ator e a intensidade que ele dá à dor de Theo são muito superiores às caras e bocas de Ansel Elgort, que não confere nenhuma profundidade ao personagem. O ponto fraco de O pintassilgo é sua dificuldade de encontrar o tom certo entre o passado e o presente, o que deixa o filme como aspecto de esboço do que poderia ter sido.