Com roteiro e direção (a primeira de longa-metragem) de João Paulo Procópio, o longa Marés estreia nesta quinta-feira (12) em Belo Horizonte, na iniciativa Projeta às Sete – uma sessão diária, às 19h, de segunda a sexta, no Pátio Savassi. Procópio procurou fazer uma história sobre superação, recaídas, ganhos e perdas, com a trajetória de um fotógrafo que lida com o alcoolismo.
Ele precisa decidir entre procurar um tratamento para se livrar da dependência ou abrir mão da guarda da filha. A trama se desenrola em Brasília, em 2016, no contexto do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Lourinelson Vladmir dá vida a Valdo Gomes, fotógrafo autônomo na casa dos 50 anos de idade.
"Valdo recebeu boas coisas da vida – bons conselhos, bons valores, boa educação. É uma pessoa querida, até o ponto de perder a medida com a bebida", descreve o ator. A construção de seu personagem passou muito pelo cenário histórico e social em que o filme se desenvolve.
Para Lourinelson, não há como pensar em Brasília, à época, sem ser impactado. "É um paralelo entre a embriaguez do Valdo e a embriaguez da democracia, que anda tão trôpega, cambaleante, tropeçando mesmo", compara.
Alguém até um pouco juvenil e ingênuo, nas palavras do ator, Valdo tem dificuldade para a autocrítica, para amadurecer. "Diante da crueza e dureza do mundo, ele luta contra a própria maturidade. Mas precisa entender que não há como querer tudo. Há que se fazer escolhas. Ele não pode mais ser o bon-vivant da juventude, algo que viu nos pais. Agora, precisa cuidar da filha, Pina, de 3 anos. Compreende que é necessário dar mais um passo", diz Lourinelson.
Valdo tem uma relação amorosa com Clara, uma clown argentina de 35 anos. A personagem é interpretada por Julieta Zarza. "Ela é um espírito livre. No início do filme, começa viajando, alguém da estrada. Atua com arte, não tem tanto compromisso com horários fixos, com trabalhos mais convencionais, com instituições. Quando conhece Valdo, vai viver em Brasília e, no início, essa relação é de muita liberdade", conta a atriz.
Em um momento seguinte, com a chegada da filha, Clara tem que se transformar e se fortalecer para assumir a responsabilidade da maternidade. Ela também levanta questões sobre a feminilidade e não aceita o lugar de submissão.
"O agravante é ter que lidar com um companheiro alcoólico. Suas atividades se intensificam e ela acaba ficando sobrecarregada. É muito o reflexo do que acontece com muitas mulheres", diz Julieta.
"O agravante é ter que lidar com um companheiro alcoólico. Suas atividades se intensificam e ela acaba ficando sobrecarregada. É muito o reflexo do que acontece com muitas mulheres", diz Julieta.
A personagem da criança foi entregue à pequena Pina Zarza Procópio, filha da atriz e do diretor de Marés. “Ela é familiarizada com o ambiente, conhecia a equipe. Quando foi apresentada ao Lourinelson, eles ganharam intimidade e confiança. É como se brincasse em cena", afirma a mãe.
Na preparação do roteiro, João Paulo e Lourinelson conviveram com familiares e amigos de alcoólico e frequentaram reuniões do Alcoólicos Anônimos (AA). "Em termos de dramaturgia, percebi a complexidade desse personagem, rico de possibilidades, o que, na verdade, vai muito da perspectiva de quem assiste. A intenção é humanizar o alcoólico, quase sempre ridicularizado e estigmatizado. Acompanhei pessoas com jornadas incríveis e legítimas de heróis que precisam enfrentar monstros internos. Foi um contato importante para a minha própria vida – ver pessoas que reconhecem, enfrentam e vencem o problema", diz o diretor.
Na avaliação de João Paulo Procópio, "no Brasil, passamos por instantes de enorme embriaguez, todos perdidos, sem saber ao certo onde pisar. Seja qual for a posição política, parece um estado de ressaca, de frustração sobre o que está posto. E se reconhecer é um exercício importante para abrir possibilidades de mudança".
O título Marés faz menção aos altos e baixos por que passa o protagonista, que também apresenta, em um certo ponto, suas obras fotográficas com referências a paisagens do mar, ainda que o filme não aborde explicitamente a feitura de seu trabalho. "Quando ele bebe, está tudo bem. O desafio é encarar a sobriedade", diz o diretor e roteirista.