O único representante de Minas Gerais no festival de cinema mais tradicional do país, o de Gramado, saiu da cidade na serra gaúcha com dois prêmios. O curta-metragem Teoria sobre um planeta estranho, do diretor mineiro Marco Antônio Pereira, levou o Kikito de melhor trilha sonora em curtas e do júri popular. Natural de Cordisburgo, o cineasta já havia ganhado no ano passado em Gramado três troféus pelo curta A retirada de um coração bruto. “Voltar a esse festival e ganhar mais dois Kikitos é uma consagração. Gramado é uma plataforma incrível de divulgação. A gente sempre fica na expectativa mas quando vence é emocionante”, disse em entrevista ao Estado de Minas.
A produção, que tem no elenco os atores Gerson Marques e Larissa Bocchino – que receberam junto com Marco das mãos da atriz Dira Paes os prêmios - fala sobre um casal que acaba de se casar, mas um incidente traz outro significado para suas vidas. É uma metáfora visual sobre o amor e a morte. “Esse curta é o terceiro de uma série de cinco que pretendo rodar. Os primeiros foram A retirada de um coração bruto e Alma bandida (este estreou no Festival de Berlim de 2018). Aliás todos eles têm feito uma carreira importante em festivais pelo Brasil e pelo mundo. Um não é continuação do outro. O que os liga é a proposta estética, o universo da fantasia e o conceito da montagem. Sem contar que todos são filmados em Cordisburgo”, ressalta.
No entanto, o diretor lamenta que filmes feitos no interior de Minas não tenham editais e incentivos para serem produzidos. “Este ano o único que tinha, o do BDMG, não vai ter mais. Tudo é focado em Belo Horizonte. E o curioso é que foram produções do interior que conseguiram se consagrar pelo segundo ano consecutivo no festival mais importante do cinema nacional e têm se destacado fora do país também. É fácil fazer filme sem dinheiro; mas é muito difícil construir uma carreira sem dinheiro”, lamenta.
Marco se prepara para fazer o seu quarto curta e o primeiro longa e celebra o fato de assim como o conterrâneo, o escritor João Guimarães Rosa, estar levando o nome de Cordisburgo para o Brasil e o mundo.
Protestos
A cerimônia de premiação que aconteceu na noite de sábado (24) no Palácio dos festivais, em Gramado, foi marcada por protestos e críticas contra o governo de Jair Bolsonaro. Praticamente todos os vencedores se manifestaram a favor do cinema e da cultura e também não deixaram de lembrar as queimadas na Amazônia. Um dos discursos mais fortes foi o do gaúcho Emiliano no Cunha, diretor de Raia 4.
Quando subiu ao palco para receber o troféu de melhor filme pela crítica, ele revelou que foi alvo de uma agressão. “Estou bem nervoso mas não só pelo prêmio. Aconteceu um fato lamentável hoje. Eu estava com minha filha Maria Flor no colo, que não tem nem 2 anos, e de repente fui atingido por uma pedra de gelo. Quando mostrei minha câmera, ele (o agressor) se escondeu. Faço um apelo: sejam simpatizantes (do presidente Jair Bolsonaro), mas não recorram à barbárie”, relatou o cineasta que ainda arrebatou o Kikito de melhor longa gaúcho.
No tapete vermelho, um grupo de artistas e espectadores levantou cartazes contra a censura e pôsteres de filmes brasileiros. Algumas pessoas que cercavam o tapete reagiram com vaias e também jogaram pedras de gelo nos manifestantes. “Foi lamentável o que houve. Muitos produtores e diretores saíram em defesa do cinema nacional, da Ancine, e de repente começaram a tocar copos com gelos. Não dá para entender porque alguém vai até ali, um espaço para celebrar a cultura, e faz algo assim”, lastimou o diretor mineiro Marco Antônio Pereira.
O grande vencedor da 47ª edição do Festival de Gramado foi o longa cearense Pacarrete que levou 8 Kikitos, incluindo os de melhor filme (tanto pelo júri quanto pelo público), atriz (Marcélia Cartaxo) e direção e roteiro para Allan Deberton, que, inclusive, está produzindo a série Transversais, uma das obras com temática LGBTQ+ listadas no edital suspenso pelo governo na semana passada, e fez questão de dar o seu recado. “O presidente falou que a série iria para o saco. Eu vou fazer mesmo assim”, frisou e deu um beijo no Kikito.
Marcélia, que venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim por A hora da estrela (1985), de Suzana Amaral, foi outra que fez questão de panfletar e ressaltar a importância do cinema nacional. “Dedico o prêmio a Pacarrete, mulher, artista e exemplo de resistência. Todo artista precisa resistir. Viva o cinema brasileiro. Lula livre! Aceitamos ajuda internacional: salve a Amazônia”, discursou.
Pacarrete é inspirado na história real de uma mulher de Russas, no interior do Ceará. Bailarina e ex-professora, a personagem sonha em se apresentar na festa da cidade. Com voz estridente, grita frases desconexas pelas ruas e é tachada de louca pelos moradores.
NOVOS CURADORES
Com a morte dos curadores, o crítico de cinema, Rubens Ewald Filho, e da diretora argentina Ewa Piwowarski neste ano, o Festival de Gramado 2020 ganhou uma nova curadoria. Juntam se ao jornalista e crítico de cinema gaúcho Marcos Santuário, o jornalista, apresentador e escritor Pedro Bial e a atriz argentina Soledad Vilamil.
Vencedores do 47º Festival de Cinema de Gramado
Longas Brasileiros
Melhor Filme: “Pacarrete”, de Allan Deberton
Melhor Direção: Allan Deberton, “Pacarrete”
Melhor Ator: Paulo Miklos, em “O Homem Cordial”
Melhor Atriz: Marcélia Cartaxo, em “Pacarrete”
Melhor Roteiro: Allan Deberton, André Araújo, Natália Maia e Samuel Brasileiro, por “Pacarrete”
Melhor Fotografia: Edu Rabin, por “Raia 4”
Melhor Montagem: Joana Collier e Fernanda Krumel, por “Hebe”
Melhor Trilha Musical: Sascha Kratzer, por “O Homem Cordial”
Melhor Direção de Arte: Tulé Peake, por “Veneza”
Melhor Atriz Coadjuvante: Carol Castro, em “Veneza” e Soia Lira, em “Pacarrete”
Melhor Ator Coadjuvante: João Miguel, em “Pacarrete”
Melhor Desenho de Som: Rodrigo Ferrante e Cauê Custódio, por “Pacarrete”
Prêmio especial do Júri: “30 Anos Blues”
Júri da Crítica: “Raia 4”, de Emiliano Cunha
Melhor filme do Júri Popular: “Pacarrete”, de Allan Deberton
Longas estrangeiros
Melhor Filme: “El Despertar de Las Hormigas”, de Antonella Sudasassi Furnis
Melhor Direção: Juan Cáceres, por “Perro Bomba”
Melhor Ator: Fernando Arze, em “Muralla”
Melhor Atriz: Julieta Díaz, “La forma de las horas”
Melhor Roteiro: Bernardo e Rafael Antonaccio, por “En el Pozo”
Melhor Fotografia: Rafael Antonaccio, por “En el Pozo”
Prêmio especial do júri: para as meninas Isabella Moscoso e Avril Alpizar do filme “El despertar de las hormigas’, por suas excelentes atuações.
Menção Honrosa: para a direção de arte de “Dos Fridas”
Júri da Crítica: “El Despertar de Las Hormigas”, de Antonella Sudasassi Furnis
Melhor filme Júri Popular: “Perro Bomba”, de Juan Cáceres
Longas Gaúchos
Melhor filme: Raia 4, de Emiliano Cunha
Curtas Brasileiros
Melhor Filme: “Apneia”, de Carol Sakura e Walkir Fernandes
Melhor Direção: Diogo Leite, por “O Menino Pássaro”
Melhor Ator: Rômulo Braga, em “Marie”
Melhor Atriz: Cassia Damasceno, em “Mulher que Sou”
Melhor Roteiro: Renata Diniz, por “O Véu de Armani”
Melhor Fotografia: Sebastian Cantillo, por “A Ética das Hienas”
Melhor Montagem: Daniel Sena e Thiago Foresti, por “Invasão Espacial”
Melhor Trilha Musical: Carlos Gomes, em “Teoria Sobre Um Planeta Estranho”
Melhor Direção de Arte: Gutor BR, por “Sangro”
Melhor Desenho de Som: Gustavo Soesi, “Um Tempo Só”
Prêmio especial do júri: para as atrizes Divina Valéria e Wallie Ruy, em “Marie”, por nos permitirem vivenciar deslocamentos corporais inesperados e por imaginarem um futuro travesti num país que mais mata trans no mundo.
Júri da Crítica: “Marie”, de Leo Tabosa
Melhor Filme Júri Popular: “Teoria Sobre Um Planeta Estranho”, de Marco Antônio Pereira
Menção Honrosa: a Ester Amanda Schafe, de “A Pedra”, pela vigorosa interpretação e pelo talento promissor que revela.
Prêmio Aquisição Canal Brasil: “Marie”, de Leo Tabosa