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Catherine Deneuve brilha como colecionadora à beira da morte em filme


Atrizes de 50 anos (ou mais) queixam-se com frequência de que não existem bons papéis para elas nesta onda de blockbusters, de super-heróis e comédias infantilizadas. Mas há exceções, e Catherine Deneuve é a mais gloriosa delas. Alçada à condição de mito nos anos 1960, ela não para, mais de 50 anos depois. Estrelou cinco filmes em 2017, três em 2018, filma um e tem outros dois já prontos em 2019. No Festival de Berlim, em fevereiro passado, lançou L’adieu à la nuit (O adeus à noite), de um de seus diretores preferidos, André Téchiné. O filme aborda a radicalização islâmica, e Deneuve faz uma avó que tenta impedir que o neto se una a jihadistas na Síria. No encontro com jornalistas durante o festival, a atriz disse que conseguia entender a tragédia da personagem. “É uma coisa shakespeariana.
Eu também me preocuparia com o que fazer, como agir numa situação dessas.” Catherine Deneuve está em A última loucura de Claire Darling, de Julie Bertucelli, em cartaz em Belo Horizonte nos cines Belas Artes e Ponteio. O começo do filme é muito parecido com o de As rainhas da torcida, comédia com Diane Keaton, também em cartaz. Mas logo os dois filmes tomam caminhos distintos. Claire acorda num dia de verão com o pressentimento de que será o último – vai morrer. Desfaz-se, rapidamente, de todos os seus objetos, que coloca à venda.

A vida inteira foi colecionadora. Reuniu peças valiosas, que agora liquida. Com cada uma delas, viaja um pouco no tempo, pois parece estar perdendo sua alma.
Chega a filha, Marie, interpretada pela filha de Deneuve (e Marcello Mastroianni), Chiara Mastroianni. O choque é inevitável. Catherine completa 76 anos em outubro, Chiara tem 47. Quando se iniciou – com a mãe, curiosamente num filme de Téchiné, Minha estação preferida –, Chiara não prometia muito. Com o tempo, tornou-se uma verdadeira atriz dramática.

SOMBRA Julie Bertucelli é filha de cineasta, Jean-Louis. Julie achou seu caminho, desvencilhando-se da sombra do pai, mas ficou o gosto por temas ligados à família. Claire Darling é sobre mãe e filha. A árvore (2010), também.
Charlotte Gainsbourg faz essa mãe cuja filha acredita que o espírito do pai se comunica com ela por meio da figueira que ele plantou no jardim da casa. A menina vai fazer de tudo para preservar a árvore.

De certa forma, o tema permanece em A última loucura de Claire Darling. Marie se queixa de que a mãe está praticamente doando os antigos móveis dos quais o pai e o avô gostavam tanto. Mas, na verdade, a questão ultrapassa bens materiais. Mãe e filha afastaram-se durante muito tempo, por décadas. Claire diz que esse será seu último dia e não se comove com a intervenção da filha, chamada por uma amiga. A própria Marie hesita em voltar. Velhos ressentimentos gelam as duas. Julie conta sua história utilizando (muitos) planos-sequência. A casa e o jardim são personagens, a câmera move-se com delicadeza, a cor é suave.
Nesse quadro, destaca-se o trabalho das atrizes. O roteiro não se preocupa em preencher lacunas que podem ser creditadas à doença de Claire, ao seu envelhecimento. Para a filha, a mãe está agindo com irresponsabilidade. Claire se esquece de coisas. Isso produz momentos de tensão, exasperação. Mãe e filha expressam sentimentos conflitivos (raiva, dor), mas insinuam-se também a tristeza, a saudade, o afeto. São talvez os momentos mais belos e intensos de Claire Darling. Apesar de tudo, os laços de sangue contam. Essas mulheres têm uma história comum.

Deneuve, que já foi a Bela da Tarde, não se vexa de expressar a decrepitude. Foi o que disse Téchiné, em Berlim.
“Você pode lhe propor não importa o quê. Ao aceitar o papel, ela se disponibiliza. Vai fundo e faz melhor as coisas que, por respeito, a gente poderia ter vergonha de lhe pedir.” (Agência Estado)
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