A vida de Bené (Everaldo Pontes) é como a letra de Gilberto Gil para Baião atemporal. “Porque os tempos passaram e passarão/ Tudo que começa acaba, e outros cabras seguirão”, dizem os versos cantados por Gil e Caetano Veloso em Abaixo a gravidade. Lançado em 2017 no Festival de Brasília, o longa-metragem do cineasta baiano Edgard Navarro chega nesta quinta-feira (1º) ao circuito comercial. Em Belo Horizonte, é exibido no Cine Belas Artes.
“Lido (com a espera) desde o meu primeiro curta (Porta de fogo, 1984, sobre a morte de Carlos Lamarca), que ficou preso na censura durante um ano inteiro. Agora estamos vendo voltar essa coisa das Forças Armadas. O fato de fazer um filme chamado Abaixo a gravidade mostra o peso do tempo, da dificuldade, dessa sombra que se abate sobre nós. Esperar é uma virtude que tive que cultivar”, afirma Navarro, de 69 anos.
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'O Rei Leão' lidera bilheterias brasileiras em duas semanas de exibiçãoNo Lady Night, Selton Mello diz que faria filme sobre TiriricaFilme com Wagner Moura é selecionado para Festival de VenezaFilme 'No coração do mundo' mostra a vida que pulsa em Contagem“Bené tem muito de mim, mas também de outras pessoas”, diz Navarro. A principal referência, no entanto, veio de um amigo, que dividiu apartamento com o cineasta e morreu aos 84 anos. “Era uma pessoa que buscava a virtude do espírito, mas também tinha paixão erótica e carnal. Vivia essa dicotomia, o que me inspirou bastante.”
O envelhecimento, tema bissexto na produção brasileira, é defendido por Navarro. “Cabe atenção maior a esse assunto, ainda mais porque a pirâmide (populacional) está ficando invertida. Agora, preocupações filosóficas e existenciais a gente tem desde sempre. Quando tinha 15 anos, lia Machado de Assis, Dostoiévski, gente que introduz a problemática da alma humana. Era um jovem com alma de velho. E agora, mesmo me aproximando da velhice, tenho alma de menino”, ele continua.
Ônibus
Com a câmera muito livre, Navarro filma a Salvador popular. Em suas caminhadas e passeios de ônibus, Bené se espanta com as mudanças da cidade. Entre os personagens que surgem em pontas estão, por exemplo, estátuas vivas de Lampião e Maria Bonita, pessoas que transitam pelas ruas.
Uma das cenas destaca uma vendedora de chicletes. Foi algo do momento, o cineasta revela. “Ela estava na praça cantando e perguntamos se toparia participar do filme. Acabou fazendo figuração de luxo, ainda mais porque apresenta muito dessa mistura de riqueza e pobreza.”
O elenco teve alguma autonomia. “Faço ensaios, mas dou uma folga para os atores criarem. É uma relação bem libertária”, diz Navarro. Abaixo a gravidade dialoga diretamente com os longas anteriores dele. Se o filme mais recente fala do envelhecimento, em Eu me lembro (2005) o cineasta reencontrou sua infância na Salvador de outrora. Já O homem que não dormia (2012), que traz como mote o conflito da fé, tem a Chapada Diamantina como cenário.
INTOLERÂNCIA
Depois desses três longas, Navarro pretende, em seu próximo filme, discutir racismo e intolerância religiosa. Está em fase de roteiro a história sobre o jovem negro filho de uma prostituta abusada por padres. “É um filme perverso”, revela Navarro. E que será feito à moda antiga.
“Quero voltar a filmar como na época em que fazia Super-8. Com equipe muito reduzida, de maneira mais artesanal. Não sei trabalhar com equipes grandes”, finaliza.
ABAIXO A GRAVIDADE
Brasil, 2019, 109min. Direção: Edgar Navarro. Com Everaldo Pontes, Rita Carelli e Bertrand Duarte. Em cartaz às 21h20, no Belas 3. Classificação: 16 anos.