Assim como na música de Caetano Veloso, em Maya, longa-metragem de Mia Hansen-Love que estreia nesta quinta-feira (11), em Belo Horizonte, “a vida é real e de viés”. O jornalista francês Gabriel (Roman Kolinka) estava na Síria, exercendo seu trabalho de correspondente de guerra, quando foi capturado, junto com outros dois colegas ocidentais. O cativeiro durou quatro meses e é com o momento da volta para casa, após a libertação de Gabriel e mais um dos reféns, que Hansen-Love começa seu filme.
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Antes de partir para a Ásia, fica claro que Gabriel não está pronto para voltar nem para o trabalho nem para a antiga namorada, embora ela queira reatar o relacionamento, que os dois já haviam rompido. Hansen-Love mostra o sentimento de inadequação do protagonista sem ênfase em atitudes ou diálogos dramáticos. É no olhar e no corpo do ator que a diretora busca os sinais da angústia e da ansiedade que ele tenta permanentemente conter.
Quando Gabriel e Maya se encontram pela primeira vez, seus olhares não se cruzam, mas ele a segue – cada um dos dois está ao volante de sua moto, Gabriel anda momentaneamente perdido, e Maya vai na direção que ele procurava encontrar. Uma cena que resume todo o filme. Veja só que cilada o amor lhe armou. Mas Hansen-Love não deixará o espectador se esquecer de que “a vida é real e de viés”, portanto, toma rumos sinuosos e imprevistos.
PADRINHO A primeira surpresa de Gabriel ocorre ao descobrir que Maya vem a ser a filha de seu padrinho, cujo endereço ele estava procurando, ao avistar a jovem e lhe pedir informações. Gabriel conhecera Maya quando criança. Agora uma jovem adulta, ela voltou de Londres, cidade onde foi estudar e da qual não gostou, disposta a dissuadir o pai, um empresário do ramo turístico em Goa, da ideia de se desfazer do belo hotel da família.
Ao se reaproximar de seu padrinho, Gabriel passa a ter cada vez mais contato com Maya, que admira a natureza e a cultura do seu país, assim como o “jeito preguiçoso” da gente de Goa. Aos poucos, o jornalista atormentado pelas lembranças do cativeiro vai se deixando envolver pela delicadeza de Maya e pelo significado mais profundo que essa característica pode ter. Isso fica claro na visita que ambos fazem a um templo cuja estrutura é repleta de inscrições ancestrais, que Maya “traduz” para Gabriel. As imagens começam com robustos elefantes e terminam com dançarinas, porque “quanto mais se tende ao feminino, maior é a leveza”.
Embora Gabriel e Maya já estejam obviamente envolvidos um com o outro, ele se afasta para uma longa viagem até Mumbai, onde irá se encontrar com a mãe. O duro diálogo entre os dois é mais um exemplo do conflito interno que parece tomar conta de todos os personagens do filme – aquilo que pensam e planejam para suas vidas e aquilo que sentem são coisas que frequentemente caminham em direções opostas.
Embora afirme ter sofrido intensamente com a captura do filho, a mãe de Gabriel desaprova o fato de ele ter se exposto a esse risco e, como consequência, o governo francês haver gastado uma “soma delirante” para o resgate de seus cidadãos, enquanto ONGs voltadas ao atendimento de crianças em situação de miséria (caso da entidade a que ela se dedica) pelejam para obter algum parco financiamento. Em resumo, Johanna (Johanna ter Steege) avalia que o filho escolheu a maneira errada – e talvez até mesmo egoísta – de ajudar o mundo.
De volta a Goa, Gabriel terá que se haver com o resultado de seu exame interno sobre a natureza de seu compromisso com a profissão que escolheu e a de seus sentimentos por Maya. A conclusão, para ele e para o espectador, é que o querer pode ser mesmo uma “bruta flor”.