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'Democracia em vertigem' mistura análise política e história pessoal


Em meio à polarização política do país e dias após o vazamento de conversas do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que abalaram a cena política nacional, a diretora e roteirista Petra Costa lança uma produção sobre a história recente brasileira. A cineasta faz um recorte contundente sobre o governo petista e a operação Lava-Jato. Com o documentário Democracia em vertigem, veiculado na Netflix, Petra ajuda a engrossar a lista de obras com temática política e se destaca na abordagem.

A frieza e o distanciamento com que a maioria dos documentários e filmes trata a política nacional dificilmente reflete a essência dos bastidores dos poderes. Entretanto, Petra Costa consegue dar vida à trama histórica. Para além dos discursos eufóricos e inflamados de membros do governo, o documentário humaniza esse universo graças à narração que relaciona a vida pessoal da diretora com os eventos políticos do país. “Eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade. Eu achava que, nos nossos trinta e poucos anos, estaríamos pisando em terra firme”, diz uma das frases que abre o documentário, dando indícios do personalismo da obra.

A opinião da diretora durante toda a narrativa é clara.
A coragem de se declarar parcial no momento de polarização extrema vivida pelo país é admirável. O filme não é para olhos inocentes. A história de vida de Petra consegue se relacionar com o documentário com harmonia pelos pontos em comum: o país está polarizado e a sua família, também. Seu avô era sócio de uma das maiores e mais importantes empreiteiras do país, Andrade Gutierrez. Por outro lado, os pais foram integrantes da resistência estudantil durante a ditadura militar. A mãe da diretora chegou a ficar presa na mesma cadeia que a ex-presidente Dilma Rousseff, ponto marcado no documentário com um encontro entre Dilma e a mãe da cineasta.

O filme foi lançado na última quarta-feira em 190 países. Com 121 minutos de duração, Democracia em vertigem teve ótima recepção em importantes festivais de cinema, com ênfase no Festival Sundance.
O documentário exibe cenas da política brasileira com imagens clichês e vista aérea do Congresso Nacional. Há ainda imagens internas, entrevistas e áudios inéditos. Algumas cenas inéditas foram cedidas por Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que diferencia a obra de uma grande reportagem é a narração da diretora. Sua voz percorre os caminhos da imagem encadeando desde a história de ascensão e queda do PT até a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a nomeação de Sérgio Moro como ministro da Justiça.

A narrativa é apaixonada, mas o documentário não se exime de duras críticas à esquerda. Em alguns momentos, Petra critica a postura do ex-presidente Lula, em seu segundo mandato, por ter se alinhado às velhas oligarquias do poder que tanto criticava. Além disso, ela falou recentemente à imprensa sobre os erros dos governos petistas e a importância de o país refletir sobre seu passado.

Roger Lerina, repórter e crítico do Canal Brasil, acredita que o filme merece ser aplaudido. “Como João Moreira Salles no recente No intenso agora, Petra narra seu documentário em primeira pessoa, relacionando episódios da história recente do Brasil a sua trajetória familiar (...) O resultado é um registro triste e doloroso do percurso de nossa claudicante democracia nos últimos 35 anos — do sonho da emancipação política e do crescimento econômico ao pesadelo do descrédito das instituições e da volta do fascínio atual pelo autoritarismo.
A despeito do juízo que se faça das análises e conclusões de sua realizadora, Democracia em vertigem merece aplauso por revelar anseios e temores íntimos dos ex-presidentes Lula e Dilma com muita humanidade e dignidade”, afirma. Artistas como Caetano Veloso e Mônica Iozzi também demonstraram o apreço pelo filme no Twitter. Mônica aparece chorando e Caetano ressalta, ao se referir ao documentário, que “é difícil não chorar nada”.

Análise da notícia

O boom dos documentários


Desde o início no mercado de streamings, a Netflix deixou claro a veia documental. Um dos primeiros grandes hits da plataforma foi Making a murderer, que retratou, em duas temporadas e 20 episódios, a história da contestada condenação de Steven Avery por agressão sexual e tentativa de homicídio. O sucesso da série documental, lançada em 2015, demonstrou para o serviço que havia ali um caminho a se seguir.

No ano passado, outros sucessos no formato, como Wild wild country sobre o guru Osho e a comunidade que o seguia de Oregon — uma espécie de premonição em relação aos casos envolvendo Sri Prem Baba e João de Deus — e Investigação criminal, que revive oito casos que chocaram o Brasil, confirmaram, para a Netflix, que os documentários estão (novamente) em alta.

Só este ano, a plataforma entregou outros ótimos filmes do gênero, como o assustador Conversando com um serial killer: Ted Bundy, em que o serial killer compartilha o próprio ponto de vista sobre os assassinatos cometidos há mais de 30 anos, e o curioso Bandidos na TV, que retrata os diferentes lados da história de Wallace, ex-policial militar, apresentador e deputado acusado de envolvimento no crime organizado no Amazonas.

Democracia em vertigem, de Petra Costa, vem para rechear esse catálogo de séries e filmes documentais. O grande acerto em relação a essas produções é abrir as narrativas para além do que foi noticiado na época, dar voz a outros personagens, mostrar diferentes pontos de vista e, assim, propor um debate de assuntos atuais. (Adriana Izel) * Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira.