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Nanni Moretti filma o Chile de ontem para falar da Itália de hoje


Numa visita recente ao Chile, o cineasta italiano Nanni Moretti soube que a embaixada de seu país em Santiago teve atuação decisiva para garantir a sobrevivência de centenas de militantes políticos nos meses subsequentes ao golpe que encerrou o governo do socialista Salvador Allende, com a tomada do Palácio de la Moneda pelas Forças Armadas e a morte do presidente, em 11 de setembro de 1973.


Autor de filmes de ficção como O quarto do filho e Minha mãe, Moretti achou que essa história valia um documentário e filmou Santiago, Itália, que estreia nesta quinta-feira (20), em Belo Horizonte. Para recontar o episódio, Moretti entrevista quem o experimentou por ângulos diversos. Há depoimentos do diplomata encarregado do comando da embaixada naquela época, de vários dos (então) jovens que se abrigaram ali e um longo relato do cineasta Patricio Guzmán sobre seu encarceramento no Estádio Nacional. Guzmán é o diretor de A batalha do Chile, documentário essencial à compreensão do período, lançado no Brasil pela Videofilmes.

Moretti conversa também com representantes dos militares e é em seu diálogo com o general Eduardo Iturriaga Neumman – que hoje cumpre pena por sequestros e assassinatos cometidos durante a ditadura – que o coração do filme se revela. Terminada a entrevista, Iturriaga comenta com o diretor que não costuma aceitar pedidos para falar sobre sua atuação no governo militar, mas que abriu uma exceção ao italiano porque foi informado de que ele teria uma visão “imparcial”. "Eu não sou imparcial", retruca Moretti.

PERDÃO 

Santiago, Itália não procura esconder, portanto, de que lado o cineasta está. Sua iniciativa de ouvir os militares não tem o propósito de compreender a posição do lado contrário aos que procuraram refúgio na embaixada italiana. O que Moretti quer é interpelá-los e, se possível, ouvir um pedido de perdão, algo que ele insiste em obter de Iturriaga – sem sucesso.

Se, por um lado, Moretti não é imparcial, por outro, ele não esbanja destreza na hora de lidar com aquilo que o documentarista brasileiro Eduardo Coutinho (1933-214) chamava de "buraco emocional" no qual se metem ao menos três dos entrevistados, ao remexer em suas memórias.
A insistência de Moretti em compreender por que um ex-militante ateu tem a voz tragada pelas lágrimas ao se lembrar da atuação de um sacerdote chileno em favor dos ativistas políticos soa insensível com o entrevistado.

Embora Moretti se atropele nesse aspecto das conversas, os momentos em que os personagens de Santiago, Itália são invadidos pela emoção são o ponto alto do filme, porque conformam um tipo de acontecimento único – não ensaiado e não repetível.

Além de escancarar o alinhamento de Moretti com aqueles que tomaram o partido do governo Allende, o documentário deixa muito claro também que o diretor italiano volta a 1973 para falar da realidade de 2019. No momento em que a ultradireita italiana faz do rechaço aos imigrantes a sua principal bandeira, Moretti acentua a generosa e destemida acolhida que os exilados chilenos receberam do governo (então de orientação à esquerda) e da população da Itália nos anos 1970.

Com o relato daqueles que se integraram à sociedade e ao mercado de trabalho no país europeu, Nanni Moretti manda o seu recado para aqueles que propõem virar as costas aos que precisam fugir – de uma ditadura, da guerra ou de outras misérias humanas.


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