Depois de andar um pouco afastado dos holofotes do cinema mundial nos últimos anos, Antonio Banderas, de 58 anos, conquistou o maior prêmio de sua carreira há duas semanas. Presidido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, o júri do 72º Festival de Cannes (14/5 a 25/5) deu a Banderas o prêmio de melhor ator por seu desempenho como Salvador Mallo, um cineasta próximo dos 60, em crise profissional e existencial, protagonista de Dor e glória, que estreia nesta quinta-feira (13) no Brasil.
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Banderas deu detalhes de como foi a construção do personagem, entendido como um alter ego de Almodóvar, em entrevista à Rádio França Internacional. Segundo ele, o diretor fez a seguinte recomendação: “Antonio, este personagem está sob a influência da heroína, mas não quero que isso seja perceptível. Sente dor o tempo todo quando caminha, com enxaquecas, mas não quero que se perceba.
O sofrimento provocado pela dor na coluna que Banderas interpreta na tela é real na vida de Almodóvar. O diretor disse ao diário espanhol El País, porém, que o uso da heroína para aliviar essa e outras dores é ficcional. Apesar disso, a droga, também chamada de “caballo” (cavalo) na Espanha, teve uma época de alta popularidade na noite madrilenha nos anos 1980, a década que projetou Almodóvar mundialmente, e serviu para entrelaçar aspectos da trama.
REENCONTRO Em profunda desilusão com a carreira, há anos sem lançar um filme, solitário e angustiado pelo problema de coluna, Salvador Mallo resolve procurar Alberto Crespo (Asier Etxeandia), ator com quem havia trabalhado e se desentendido em seu último sucesso, o longa Sabor, cujo lançamento ocorrera duas décadas antes. Com Crespo, Mallo sabia que conseguiria uma dose e usaria heroína pela primeira vez.
A partir dessa aproximação, o protagonista tenta se reencontrar também consigo mesmo. De forma não linear, a história entrelaça acontecimentos do presente e as memórias do cineasta, que retoma sua atividade. O retorno à criação acaba trazendo de volta também um amor do passado: Federico (Leonardo Sbaraglia), com quem teve intenso relacionamento na juventude, interrompido por causa do vício do parceiro em droga.
As memórias de Salvador recuam até a época de sua infância, quando vivia em um pequeno povoado, junto da mãe.
Dor e glória traça uma intensa ligação afetiva do personagem com sua mãe. A personagem também surge na fase adulta da vida do cineasta, agora interpretada por Julieta Serrano, outro nome frequente na filmografia do espanhol. Almodóvar declarou, contudo, que a relação que ele de fato teve com sua mãe é muito diferente da que se vê no filme.
Ao mostrar Salvador ainda criança, o diretor revela mais de sua relação com ele próprio. O futuro cineasta (da história) pensava em ser professor, carreira que Almodóvar exerceu antes de fazer cinema. Como se trata de um filme sobre Pedro Almodóvar feito por Pedro Almodóvar, não falta excelência dramática. A beleza da cena que mostra o despertar do desejo sexual do garoto Salvador (Asier Flores), ao se deparar com a nudez de um pedreiro que trabalhava em sua casa, é um dos momentos em que a assinatura de Almodóvar fica evidente, assim como o final metalinguístico do filme e sua declaração de amor à sétima arte. Segundo o cineasta, Dor e glória é uma autoficção.
CENAS DE UMA VIDA
Confira momentos importantes na trajetória do diretor espanhol
1949 – Nasce, em Calzada de Calatrava
Anos 1980 – Muda-se para Madri e lança seus primeiros filmes, Labirinto de paixões (foto)(1982), Maus hábitos (1983) e Que fiz eu para merecer isso? (1984), iniciando sua parceria com as atrizes Carmen Maura, Cecilia Roth e Julieta Serrano e com Antonio Banderas
1985 – Funda a produtora El Deseo, ao lado do irmão Agustín Almodóvar
1988 – Lança Mulheres à beira de um ataque de nervos, que foi indicado ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao Bafta como melhor filme estrangeiro
1990 – Lança Ata-me (foto), seu último filme com Banderas antes de A pele que habito (2011)
1997 – Lança Carne trêmula (foto), primeiro de seus filmes com participação de Penélope Cruz, que afirma ter se decidido a ser atriz quando assistiu a Ata-me
1999 – Lança Tudo sobre minha mãe (foto), com o qual vence o Oscar, o Globo de Ouro e o Bafta, além da Palma de melhor diretor em Cannes
1999 – Morre sua mãe, Francisca Caballero
2002 – Lança Fale com ela (foto), com o qual vence o Globo de Ouro e o Bafta e recebe o Oscar pelo roteiro original
2004 – Lança Má educação
2006 – Lança Volver (foto), que dá a Penélope Cruz a Palma de melhor atriz em Cannes e uma indicação ao Oscar
2011 – Lança A pele que habito (foto)
2019 – Lança Dor e glória.