Com lágrimas nos olhos, o lendário ator francês Alain Delon, sete vezes em disputa em Cannes, mas nunca premiado, recebeu neste domingo (19) uma Palma de Ouro Honorária, apesar dos protestos de associações feministas que o acusam de violência de gênero.
"Fazia tempo que não chorava tanto", declarou o ícone do cinema francês, ovacionado, ao receber a estatueta pelo conjunto de sua carreira das mãos de sua filha Anouchka. A sala estava lotada, com a presença do presidente do festival, Pierre Lescure, e de seu delegado-geral, Thierry Frémaux. "Esta noite é um pouco uma homenagem póstuma, mas estando vivo. Vou embora, mas não irei sem dizer obrigado".
"Se sou uma estrela - e é por isso que quero lhes agradecer -, devo isso ao público e a mais ninguém", completou, acrescentando, porém, que pensava nas duas mulheres de sua vida - as atrizes Mireille Darc e Romy Schneider.
O prêmio provocou polêmica antes mesmo do início do festival. Um grupo de feministas acusou o ator de ser "racista, homofóbico e misógino", de acordo com os termos da associação americana Women and Hollywood, baseando-se em declarações que ele fez no passado. Uma petição com mais de 25 mil assinaturas pediu aos organizadores do concurso que "não o homenageassem".
"Não deve haver homenagem aos agressores", reagiu o coletivo francês Osez le Féminisme.
"Ninguém é obrigado a concordar comigo, mas de uma coisa no mundo eu tenho certeza, da qual estou orgulho, realmente, uma só: minha carreira", disse o ator na premiação. "Esta Palma de Ouro é pela minha carreira, e por mais nada", insistiu.
No jornal francês JDD, o ator acusou seus detratores de "inventarem declarações". "Eu não sou contra o casamento gay, eu não me importo: as pessoas fazem o que querem. Mas eu sou contra a adoção por duas pessoas do mesmo sexo (...) Eu disse que tinha batido em uma mulher? Sim. E eu teria que acrescentar que recebi mais golpes do que dei.
"Querem me colocar o rótulo de extrema direita, porque eu expliquei que era amigo de (Jean-Marie) Le Pen desde o Exército. Não, eu sou de direita, ponto final", continuou. Denunciando uma "patrulha política", o diretor-geral do festival, Thierry Frémaux, defendeu o ator. "Alain Delon tem o direito de pensar o que pensa", comentou, estimando que "é difícil julgar com a perspectiva de hoje coisas feitas, ou ditas" no passado. "Nós não estamos lhe dando o Prêmio Nobel da Paz", completou.
Embora tenha aceitado receber esta Palma de Ouro Honorária, o ator, de 83 anos, manteve uma relação de altos e baixos com o Festival de Cannes.
"Nunca mais"
Ele esteve em La Croisette pela última vez em 2013, para a exibição de uma cópia restaurada de "O Sol por Testemunha" de René Clément, "seu mestre absoluto", depois de ter apresentado em 2010 uma versão restaurada de "O Leopardo".
Antes, porém, recusou-se por dez anos a colocar os pés no festival, indignado por não ter sido convidado, como Jean-Paul Belmondo, para as comemorações do 50º aniversário da mostra, em 1997.
Em 1961, pisou no tapete vermelho pela primeira vez com "Que alegria de viver!", de René Clément, em competição, retornando em 1962 com "O Eclipse" de Michelangelo Antonioni, Prêmio do Júri. Em 1963, esteve de volta com "O Leopardo", de Luchino Visconti, vencedor da Palma de Ouro.
Mas, em 1976, quando apresentou "Cidadão Klein" de Joseph Losey, o filme não foi bem recebido, o que irritou o ator.
Em 1990, esteve em competição com "Nouvelle vague", de Jean-Luc Godard, quando se reconciliou com La Croisette.
Depois, seguiram-se anos de tensão, que até o levaram a dizer, em 2006, que "nunca mais" subiria a escadaria do Festival. Um ano após esta declaração, voltou a Cannes, convidado para a 60ª edição do Festival. "Somente os imbecis não mudam de opinião!", declarou na ocasião..