Playa del Carmen – Os sotaques podem ser diferentes, as culturas de cada país têm lá suas particularidades, mas um grande encontro do cinema latino-americano, como o Prêmios Platino, mostra vários pontos em comum quando se fala dos desafios da produção audiovisual no continente. Em meio às transformações pelas quais o meio passa diante da avassaladora popularização da distribuição e consumo via streaming, realizadores e outras figuras envolvidas nessa indústria defendem a importância das políticas públicas para a área. A premiação, da qual participam ainda Portugal e Espanha, teve sua sexta edição realizada no fim de semana, no México.
Com economias historicamente instáveis, a Sétima Arte nos países latinos costuma lidar com orçamentos apertados e muita criatividade para viabilizar produções, que não raramente aparecem entre indicados e até conquistam prêmios em festivais europeus ou no badaladíssimo Oscar, que neste ano teve o mexicano Roma como Melhor Filme de Língua Estrangeira (ano passado, o troféu foi do chileno Uma mulher fantástica). Com direção e roteiro assinados por Alfonso Cuarón, o longa teve orçamento de US$ 15 milhões. O colombiano Pássaros de verão (US$ 2,8 milhões) também figurou entre os nove semifinalistas do Oscar da categoria em 2019, mas sem avançar.
Na visão de algumas personalidades presentes ao Prêmios Platino, onde tanto Roma quanto Pássaros de Verão concorreram a Melhor Filme Iberoamericano, a Colômbia é apontada como um bom exemplo de gestão pública do audiovisual. “A política pública, a criação de leis de cinema, de institutos de cinema é algo que temos lutado desde que temos cinema na América Latina. Luta duríssima de convencimento, sobretudo contra uma classe política muito ignorante que não entende que a atividade cultural, e especificamente essa, reforça a imagem do país e o torna maior. A Colômbia é um grande exemplo, assim como o México e também o Peru, que aprovou nessa semana uma lei nacional de cinema que triplicará os recursos públicos para a área no país, com 40% deles destinados para fora da capital”, afirma o produtor e ator chileno Adrián Solar, presidente da FIPCA (Federación Iberoamericana de Productores Cinematográficos y Audiovisuales), instituição que organiza o Platino junto com a EGEDA (Entidad de Gestión de Derechos de los Productores Audiovisuales).
O que o Peru pode alcançar já é realidade no vizinho ao Norte, como explica Cristina Gallegos, que divide a direção de Pássaros de verão com o marido, Ciro Guerra. “A Colômbia consolidou políticas públicas de apoio à indústria do audiovisual com um fundo que fomenta a produção local e outro que fomenta o investimento estrangeiro. A grande conquista dessa política é que ela não depende das políticas de turno, não depende dos presidentes nem dos governadores. Foi criada e defendida por cineastas no congresso e protegida para que não seja derrubada por quem entre no governo”, argumenta.
Na visão da colombiana, a prosperidade da indústria cinematográfica passa por investimentos ainda além das produções. “O que é necessário, mas estamos distantes, é que se invista não apenas em fazer cinema, mas também na formação do público, como na França, que vincula o cinema como ferramenta audiovisual de aprendizagem desde a escola primária. É preciso formar um público que tenha identidade com suas histórias e linguagens para querer vê-las no cinema”, defende Gallegos.
Quem também elogia a situação da Colômbia é a produtora uruguaia Mariela Besuievsky, que trabalhou em Uma noite de 12 anos e O reino, ambos com indicações nos Platino deste ano, além de O segredo dos seus olhos, argentino vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010. Tarimbada no cinema sul-americano, europeu e ainda em cooperações entre países dos dois continentes, ela entende que “faltam políticas de desenvolvimento e falta também melhor distribuição dos filmes”.
APOIO AO BRASIL
O Brasil teve presença discreta na edição deste ano dos Prêmios Platino. Apenas uma indicação em 17 categorias, de Melhor Trilha Sonora Original, para O Grande Circo Místico. Em uma crise que se estende desde 2016, envolvendo troca de gestões e mudanças de critérios nos editais, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) anunciou no fim de abril uma interrupção no repasse de recursos para a produção de filmes e séries no Brasil.
Perguntado sobre a situação dos incentivos ao cinema no Brasil, o presidente da FIPCA manifesta apoio aos realizadores brasileiros. “Vamos apoiá-los no que seja necessário. Que fiquem tranquilos, pois as tentativas de destruir o cinema e a cultura são inerentes à ignorância do ser humano, mas a cultura e a inteligência sempre vencem no final”, afirmou Adrián Solar.
Domínio de Roma, surpresa paraguaia
O drama mexicano Roma, de Alfonso Cuarón, aumentou sua coleção de troféus internacionais. O filme foi o mais agraciado na 6ª edição dos Prêmios Platino de Cinema Iberoamericano, realizado na Riviera Maya. “Concorrendo em casa”, o longa em preto e branco distribuído pela Netflix ganhou na noite de domingo cinco das nove categorias a que concorria.
A cerimônia, criada em 2014 e de caráter itinerante, foi realizada pelo segundo ano consecutivo no Teatro Gran Tlachco, no complexo turístico e arqueológico do Xcaret, em Playa del Carmen. Em tom bem-humorado, com alguns clichês da cultura mexicana, como um lutador de ‘lucha libre’ no palco, além de performances de artistas fantasiados de guerreiros maias.
Os produtores Nicolás Celis e Gabriela Rodríguez representaram o cineasta, premiado nominalmente por sua direção, roteiro e fotografia. Gabriela qualificou Roma como “um filme feito com amor que conquistou o mundo” ao receber o principal prêmio, de Melhor Filme Iberoamericano. A grande surpresa foi na escolha da melhor atriz. Apesar de ser a mais celebrada pelo público, a mexicana Yalitza Aparicio, de Roma, perdeu a disputa para a paraguaia Ana Brun, de As herdeiras.
Este é o primeiro papel cinematográfico de Brun, que tem 70 anos e é também advogada. Logo na estreia, no Festival de Berlim, ano passado, ela venceu o Urso de Prata de Melhor Atriz. Em conversa exclusiva com o Estado de Minas, disse que se sente surpresa pelos prêmios, o que inclui ainda um no Festival de Gramado. “Coroa algo incrível, porque eu não sou atriz. Estou coroada e estrelada. Nunca pensei que ele ia me levar tão longe, até porque eu nem queria aceitar o papel inicialmente”
No longa, vive uma mulher rica que conhece nova realidade quando a cônjuge vai presa por dívidas. Ela destacou o protagonismo de uma mulher LGBT. “O Paraguai é um país muito homofóbico e conservador. Espero que com isso abram a mente para aceitar e diversidade e a felicidade de cada um”. As herdeiras ganhou ainda outro prêmio, de Melhor Filme com Diretor Estreante, para Marcelo Martinessi.
IGUALDADE
Num ato para promover a igualdade entre homens e mulheres, as categorias de melhor atuação dos dois gêneros foram apresentadas e anunciadas juntas. Entre os homens, o melhor ator foi o espanhol Antonio De La Torre, por seu papel em El reino. Ele está também em Uma Noite de 12 anos, indicada em seis categorias, mas sem vencer nenhuma, no qual interpreta o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica. O drama mostra o período em que Mujica, que viria a ser presidente do Uruguai, e dois companheiros do grupo guerrilheiro Tupamaros ficaram presos pelo regime militar de seu país nos anos 1970. Ao Estado de Minas, ele defendeu aqueles que “lutam por um mundo mais justo, com condições mais igualitárias e postos de trabalho para todos”. “No final a democracia sempre vencerá”, afirmou.
Com apenas duas indicações (Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Direção de arte, para o português Artur Pinheiro) o único representante brasileiro foi O grande circo místico, de Cacá Diégues, não levou nenhum prêmio. (PG)
*O repórter viajou a convite dos Prêmios Platino