Roteirista brasileiro conta como é seu filme na competição em Cannes

Mauricio Zacharias escreveu 'Frankie', que tem direção do americano Ira Sachs, é estrelado por Isabelle Huppert e foi filmado em Sintra. Festival começa nesta terça (14)

por Carlos Marcelo 13/05/2019 08:45

 

 

A inspiração é estranha. Pode surgir a qualquer hora, em qualquer lugar. E, onde estiver, lá pode estar Mauricio Zacharias, disposto a contar mais uma história movida por afetos e desacertos. O roteirista carioca, radicado em Nova York desde 1989, foi parar no sertão cearense para ajudar Karim Aïnouz a encontrar os desejos e impasses da protagonista de 'O céu de Suely'. E se lembrou de uma visita a Portugal antes de escrever o quarto longa-metragem da fértil parceria com o cineasta norte-americano Ira Sachs: Frankie, com estreia mundial no Festival de Cannes, que começa nesta terça-feira (14).

 

Depois de três filmes – Deixe a luz acesa (2012), O amor é estranho (2014) e Melhores amigos (2016) – ambientados em Nova York na chamada “trilogia do amor na cidade”, Zacharias e Sachs decidiram que havia chegado a hora de ultrapassar fronteiras. “Nosso objetivo era trabalhar com personagens internacionais e fora dos Estados Unidos, as ideias iniciais já eram nessa direção”, conta Zacharias, em entrevista por telefone ao Estado de Minas. Daí surgiu Frankie, ligado umbilicalmente à protagonista, Isabelle Huppert. “Já havia um flerte, uma vontade dela de trabalhar com a gente. Então, escrevemos pensando na Isabelle”, revela o roteirista. “Esse filme foi escrito para ela e para Marisa Tomei, que tem um papel muito importante”, complementa.

Conhecida pelas atuações em longas densos como 'A professora de piano' e indicada ao Oscar em 2017 por Elle, Huppert interpreta a matriarca de uma grande família franco-inglesa, que inclui o atual e o ex-marido, mais filhos de dois casamentos. Todos – e o elenco ainda inclui nomes como Brendan Gleeson (A balada de Buster Scraggs), Greg Kinnear (Melhor é impossível), Paschal Greggory (Piaf) e Jérémie Renier (O amante duplo) – se reúnem na cidade histórica de Sintra para passar um dia juntos.

“É uma história muito simples: um dia na vida de 10 personagens. Há uma notícia trágica, mas que não é o foco do filme, e sim as questões românticas desses personagens”, adianta o roteirista. Zacharias tem uma pista do que pode ter interessado a francesa a estrelar uma produção independente norte-americana: “Isabelle é uma atriz corajosa e workaholic, e meus filmes com Ira são delicados e sensíveis, bem diferentes de quase tudo que ela fez.”

SBS Productions/ Divulgação
Isabelle Huppert interpreta a matriarca de uma família franco-inglesa que se reúne em Sintra (Portugal) e é surpreendida por um episódio trágico. Os atores Jérémie Renier e Brendan Gleeson também estão no elenco (foto: SBS Productions/ Divulgação)

Ao contrário de outros longas da dupla, personagens femininos protagonizam Frankie. Mas o método de trabalho continua o mesmo. “Mauricio e eu conversamos sobre tudo que é importante para nós – filmes, livros, nossas famílias e nossos relacionamentos, desafios do cotidiano, amor, fofocas, tudo – e essas conversas acabam resultando na escrita de filmes muito pessoais, que refletem o que compartilhamos naqueles momentos”, explica o cineasta. “A gente conversa muito”, confirma o roteirista. “Desenvolvemos juntos personagens e situações, aí eu escrevo sozinho o primeiro tratamento de roteiro”, detalha Zacharias.

Se os longas anteriores tiveram première mundial no Festival de Sundance, desta vez a estreia ocorrerá no mais tradicional festival de cinema do mundo. “Estar com uma produção de baixo orçamento na seleção oficial em Cannes, competindo com filmes muito mais caros, já é uma vitória”, acredita o roteirista. Ele se diz “animado e um pouco nervoso” para a primeira exibição pública de Frankie.
“Estou indo sem expectativa para premiação. Vou me divertir, ver outros filmes, conhecer gente e festejar”, diz Zacharias, lembrando que a distribuição do longa-metragem está assegurada pela Sony Pictures. “Ainda não vi o filme terminado, vou ver com todo mundo em Cannes”, conta. Além do carioca de 56 anos, o outro brasileiro na disputa da Palma de Ouro é o pernambucano Kleber Mendonça Filho. Três anos depois de Aquarius, Mendonça volta com Bacurau, filmado no sertão do Rio Grande do Norte.


Reencontro com Karim
Mauricio Zacharias terá oportunidade de rever, em Cannes, o amigo Karim Aïnouz. O diretor de Praia do futuro vai exibir, na mostra Un Certain Regard, seu novo longa-metragem: Vida invisível, adaptação do romance A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha, com produção da RT Features. Os dois trabalharam juntos em 2006 no drama O céu de Suely, estrelado por Hermila Guedes, filmado na cidade cearense de Iguatu.

As recordações de Zacharias são as melhores possíveis. “Foi o primeiro filme como roteirista de que participei do começo ao fim”, lembra. Antes de escrever o roteiro, Zacharias jamais havia colocado os pés no sertão nordestino. “Aprendi que é possível escrever sobre um lugar que não se conhece e também como os personagens mudam e ganham com a entrada dos atores.” A experiência também serviu para ele reviver o que aprendeu nas aulas do mestrado em Los Angeles: “O roteirista não pode se apegar ao que escreveu. É difícil entender isso, mas, com a experiência, a gente vai aprendendo que, na hora da filmagem, o que foi escrito já virou outra coisa. E o bom diretor vai melhorando o que está no roteiro.” A parceria com Aïnouz deve ser retomada em um dos próximos projetos do cineasta, a ser filmado no Brasil. “Estou sentindo falta de contar histórias brasileiras”, antecipa Mauricio Zacharias.

DIFERENTE DE TUDO

Duas vezes premiada como melhor atriz em Cannes  – Violette Nozière (1978), A professora de piano (2001) – e com outros 24 títulos apresentados no festival francês, Isabelle Huppert afirmou à revista norte-americana IndieWire que Frankie é “muito, muito diferente de tudo” que ela fez antes. “Há algo muito honesto no meu trabalho nesse filme. Honesto não é a palavra correta, porque acho que sou honesta nas minhas outras atuações, mas há algo muito simples desta vez, porque a história fala por si mesma. Não há nenhum dos aparatos comuns, só um pouco de ironia e humor no modo como falamos”, afirmou.

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