A inspiração é estranha. Pode surgir a qualquer hora, em qualquer lugar. E, onde estiver, lá pode estar Mauricio Zacharias, disposto a contar mais uma história movida por afetos e desacertos. O roteirista carioca, radicado em Nova York desde 1989, foi parar no sertão cearense para ajudar Karim Aïnouz a encontrar os desejos e impasses da protagonista de 'O céu de Suely'. E se lembrou de uma visita a Portugal antes de escrever o quarto longa-metragem da fértil parceria com o cineasta norte-americano Ira Sachs: Frankie, com estreia mundial no Festival de Cannes, que começa nesta terça-feira (14).
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“É uma história muito simples: um dia na vida de 10 personagens. Há uma notícia trágica, mas que não é o foco do filme, e sim as questões românticas desses personagens”, adianta o roteirista. Zacharias tem uma pista do que pode ter interessado a francesa a estrelar uma produção independente norte-americana: “Isabelle é uma atriz corajosa e workaholic, e meus filmes com Ira são delicados e sensíveis, bem diferentes de quase tudo que ela fez.”
Ao contrário de outros longas da dupla, personagens femininos protagonizam Frankie. Mas o método de trabalho continua o mesmo. “Mauricio e eu conversamos sobre tudo que é importante para nós – filmes, livros, nossas famílias e nossos relacionamentos, desafios do cotidiano, amor, fofocas, tudo – e essas conversas acabam resultando na escrita de filmes muito pessoais, que refletem o que compartilhamos naqueles momentos”, explica o cineasta.
Se os longas anteriores tiveram première mundial no Festival de Sundance, desta vez a estreia ocorrerá no mais tradicional festival de cinema do mundo. “Estar com uma produção de baixo orçamento na seleção oficial em Cannes, competindo com filmes muito mais caros, já é uma vitória”, acredita o roteirista. Ele se diz “animado e um pouco nervoso” para a primeira exibição pública de Frankie.
“Estou indo sem expectativa para premiação. Vou me divertir, ver outros filmes, conhecer gente e festejar”, diz Zacharias, lembrando que a distribuição do longa-metragem está assegurada pela Sony Pictures. “Ainda não vi o filme terminado, vou ver com todo mundo em Cannes”, conta. Além do carioca de 56 anos, o outro brasileiro na disputa da Palma de Ouro é o pernambucano Kleber Mendonça Filho. Três anos depois de Aquarius, Mendonça volta com Bacurau, filmado no sertão do Rio Grande do Norte.
Reencontro com Karim
Mauricio Zacharias terá oportunidade de rever, em Cannes, o amigo Karim Aïnouz.
As recordações de Zacharias são as melhores possíveis. “Foi o primeiro filme como roteirista de que participei do começo ao fim”, lembra. Antes de escrever o roteiro, Zacharias jamais havia colocado os pés no sertão nordestino. “Aprendi que é possível escrever sobre um lugar que não se conhece e também como os personagens mudam e ganham com a entrada dos atores.” A experiência também serviu para ele reviver o que aprendeu nas aulas do mestrado em Los Angeles: “O roteirista não pode se apegar ao que escreveu. É difícil entender isso, mas, com a experiência, a gente vai aprendendo que, na hora da filmagem, o que foi escrito já virou outra coisa. E o bom diretor vai melhorando o que está no roteiro.” A parceria com Aïnouz deve ser retomada em um dos próximos projetos do cineasta, a ser filmado no Brasil. “Estou sentindo falta de contar histórias brasileiras”, antecipa Mauricio Zacharias.
DIFERENTE DE TUDO
Duas vezes premiada como melhor atriz em Cannes – Violette Nozière (1978), A professora de piano (2001) – e com outros 24 títulos apresentados no festival francês, Isabelle Huppert afirmou à revista norte-americana IndieWire que Frankie é “muito, muito diferente de tudo” que ela fez antes. “Há algo muito honesto no meu trabalho nesse filme.