Amanda, a personagem-título do longa de Mikhaël Hers em cartaz em Belo Horizonte, é uma garota de 7 anos criada pela mãe, Sandrine (Ophélia Kolb), com a eventual ajuda do tio, David (Vincent Lacoste), que não se desempenha muito bem em funções como buscar a sobrinha na escola – chega (muito!) atrasado.
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Dividindo-se entre dois trabalhos – recebe hóspedes que alugam apartamentos por temporada na capital francesa e presta serviços ao departamento de conservação municipal, o que inclui a poda de árvores – Davi está sempre correndo de um lado a outro. Sandrine, por sua vez, ganha a vida como professora de inglês.
Nessa pequena família, o pai dos adultos já está morto e a mãe perdeu contato com os filhos ainda durante sua infância, quando ela foi viver outro romance em Londres. Exceto por rusgas eventuais entre os irmãos, o clima é de entendimento e harmonia. Até que Sandrine sai para um piquenique e não volta.
A mãe de Amanda foi uma das múltiplas vítimas de um ataque terrorista perpetrado pelo Estado Islâmico no parque onde ela se reunira com amigos. A escolha de um local público de encontro e diversão como alvo do atentado remete aos atos de 13 de novembro de 2015 em Paris, que deixaram 130 mortos, sendo 90 deles frequentadores da casa noturna Bataclan.
Em entrevista ao Estado de Minas, Hers afirma que “os atentados foram o ponto de partida”, mas diz que “não queria fazer um filme sobre os atentados, e sim investigar como a ficção poderia tratar disso pelo prisma da tragédia íntima”. O cineasta afirma ainda que sua ambição era fazer um filme que “não fosse saturado de discurso”, já que a ideia era “abordar isso por um drama humano, um drama de família e também fazer um retrato de Paris”.
Nesses três objetivos, Amanda é bem-sucedido. A desolação de Davi, as saudades que Amanda (Isaure Multrier) sente da mãe, a dúvida do tio se será ou não capaz de criar a sobrinha conquistam a empatia do espectador, que vê os personagens circularem – quase sempre a pé ou de bicicleta – por uma Paris distante de seus cartões-postais, mas não menos atraente.
CRIANÇA GRANDE
Hers explica que “tinha vontade de fazer um filme sobre a figura de uma criança grande que acompanharia uma criança pequena. Com um olhar microscópico, ver a ternura e a sensibilidade dessa relação”. Essa delicadeza, que se estende também à relação de Davi com os amigos e com a quase-namorada Léna (Stacy Martin), é tão dominante no filme que ele de certa forma parece se recusar a lidar com o horror dos atentados. As referências ao ataque e ao clima de medo instaurado são escassas e indiretas, como quando um policial diz, no dia seguinte ao ataque, que “é melhor ficar em casa; não é um dia para se andar por Paris” ou quando um amigo de David assegura que “isso não vai parar por aqui”.
Na opinião do diretor, “o filme não é isento de violência, mas tem uma maneira subterrânea de transmiti-la”. Ele diz que “queria encontrar uma forma de mostrar essa violência que fosse suportável para o espectador”. Convidado a falar sobre sua visão a respeito da ameaça terrorista, o diretor se esquiva. “Isso é exterior ao filme. Não é interessante saber o que penso. O filme é um testemunho muito subjetivo de um tempo e uma realidade que se vive dessa maneira.”
No entanto, faz a defesa de sua abordagem cinematográfica da questão. “Com o filme, tenho a chance de transmitir coisas que são mais da ordem do sensorial do que da ordem do discurso. É um testemunho. Provavelmente haverá pessoas para quem um filme sobre esse assunto devesse ser mais abertamente político e menos sensorial. Para alguns, assuntos como o terrorismo devem ser tratados com um discurso mais abertamente político. Mas fui poupado disso. Esse tipo de reação quase não me chegou.”
EMOÇÕES
Sobre o fato de ter uma criança como protagonista, Hers afirma que “não é muito diferente de trabalhar com um adulto”. Ele observa que a intérprete de Amanda “já tem a idade da razão, tinha capacidade de compreender. Leu o roteiro. Compreendia tudo”. No set, seu desafio, segundo conta foi “fazer com que ela saísse da personagem e encontrasse as emoções que conhece do dia a dia. A tristeza de uma menina, a frustração de uma menina. Meu papel era criar um ambiente de acolhida e uma zona de confiança”.
Assim como em Match point (2005), de Woody Allen, o jogo de tênis é usado como uma metáfora no desfecho do longa. O diretor define a cena como “a cena mais roteirizada, mais lírica”. Ele observa que “a matéria do filme é cotidiana, trivial. Não há muito efeito de mise en scène; estamos no tom da crônica”, enquanto “a cena de Wimbledon é mais abertamente roteirizada, com uma tonalidade distinta do resto do filme”. E está de acordo que “é, sim, uma forma de metáfora”, mas pondera que “não queria algo inocente”, deixando claro que o final não é tão conclusivo assim. “A bola está no centro. Tudo está por fazer. As coisas não estão feitas.”