Em São Paulo, em dezembro, na Comic-Con - para apresentar Capitã Marvel no painel do estúdio -, Brie Larson falou do seu maior desafio. "Foi depois do Oscar. Já havia sido contratada e fazia a preparação física para o papel, mas durante um ano fiquei impedida por contrato de dizer a quem quer que fosse. O estúdio só ia divulgar na Comic-Con de San Diego (2016), e nada poderia prejudicar o impacto do anúncio. Tudo foi feito para impedir o vazamento. Parece fácil, mas um segredo desses termina por te consumir."
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Protagonismo feminino ganha força com a estreia de Capitã Marvel
Como guardiã do universo, responde a um ser superior - que tem a forma de Annette Bening - e é treinada por Jude Law, que a repreende o tempo todo por dispersar o foco, deixando-se levar pela emoção. Seus inimigos são os skrulls, que mudam de aparência, mas, atenção - olha o spoiler -, o espectador que for ver Capitã Marvel a partir desta quinta, 7, tem de estar preparado para as reviravoltas do relato, que vão mudar seus parâmetros de bem e mal. Justamente por isso, Brie Larson foi a escolhida. Vencedora do Oscar por O Quarto de Jack -, o estúdio afirma que só ela conseguiria emprestar profundidade e humanidade ao conflito que dilacera Carol Danvers. A pergunta que não quer calar: o filme é bom? Começa meio enrolado, mas quando deslancha é ótimo.
Ação e humor
Sua história é tão movimentada que daria múltip, e flos focos. Superpoderosa, Carol Danvers enfrentou a Rapina, que se tornaria vilã dos X-Men. Perdeu seus poderes para a Vampira, foi membro dos Vingadores - e voltará na próxima aventura do grupo de super-heróis. Somente em 2012, há sete anos, tornou-se Capitã Marvel. "Para mim, é a personagem mais forte do universo Marvel" explica Brie Larson. "E o legal é que Carol (Danvers) já era durona muito antes de adquirir superpoderes. Adorei fazer. Não é pesada nem amargurada, tem prazer em ser quem é. Lutar é uma forma de brincadeira."
A fase de preparação foi muito intensa. "Tive de aprender a lutar e desenvolver musculatura para isso, mas a ideia nunca foi construir uma massa física para a personagem. Os punhos foram muito importantes em todo esse processo." E Brie, de novo delicada, brande o punho na suíte de um hotel dos Jardins, em São Paulo. O repórter brinca: "Eu é que não quero testar sua força". Ela ri - "Acho bom". Brie Larson é uma simpatia. Nascida Brianne Sidonie Desaulniers em Sacramento, no Texas, sua primeira língua foi o francês, que falava em casa, com a avó. O pseudônimo foi adotado de uma boneca que adorava, quando criança.
Interpretou adolescentes, teve uma participação importante na série United States of Tara, fez a versão para cinema da série 21 Jump Street e foi coadjuvante de Mark Wahlberg em O Apostador. E aí, no mesmo ano, veio O Quarto de Jack, de Lenny Abrahamson. Aos 25 anos, Brie virou uma atriz superpremiada - Oscar, Globo de Ouro, SAG Award, Bafta, Spirit, National Board of Review. Entre Jack e agora Capitã Marvel, pisou em falso. Mais vale esquecer sua atuação em Kong - A Ilha da Caveira, atração da Comic-Con de São Paulo em 2017. Brie canta e compõe. O que ela gosta mais - música ou cinema? "Não se trata de escolher. Me complementam."
Como foi para ela a passagem da mulher abusada de O Quarto de Jack - sequestrada e mantida em cativeiro durante anos por seu estuprador, com quem tem um filho - para a super-heroína de Capitã Marvel? "Nenhuma das duas sou eu, e no entanto, o bom de ser atriz é que você descobre em você mesma reservas de compreensão e energia de que não se sentia capaz. Meu pai abandonou a família e minha irmã e eu fomos criadas por minha mãe e pela avó. Mulheres que precisam transformar sua fragilidade em força sempre fizeram parte da minha vida. No fundo, é o tema que, apesar de todas as diferenças, une Jack à Capitã."
Chega um momento - olha o spoiler - em que Carol descobre que está sendo manipulada e tem de virar o jogo. Descobrir a força dentro dela. "É o que toda mulher tem de fazer, num mundo dominado por homens." Estamos falando de conceito, e a mudança de tom? O Quarto de Jack passa-se em boa parte naquele quarto minúsculo, Capitã Marvel extravasa o universo dos efeitos especiais. Como fica a cabeça no meio disso tudo? "Desde que começamos a falar sobre o filme, Anna (Boden) e Ryan (Fleck) - os diretores - deixaram claro o que estavam querendo.
Adorei a ideia. Para eles, o filme teria de ter muita ação e humor, e ser realmente movimentado e divertido. Mas isso era só uma parte, porque Carol Danvers também deveria ter um lado mais denso e até sombrio. Ela descobre detalhes que abalam seu conhecimento das coisas, e do universo. Então eu deveria trafegar entre extremos. Quando é divertido, é muito divertido. Quando é denso, é muito denso. Como atriz, foi ótimo. Ouso dizer que esse filme talvez tenha exigido mais de mim, física e emocionalmente, que O Quarto de Jack, mas, é claro, ninguém vai levar a sério. Vão achar que estou exagerando."
Heroínas ganham complexidade dramática
O lançamento de Capitã Marvel, primeiro filme do universo compartilhado do Marvel Studios protagonizado por uma mulher, é excelente oportunidade para recordar a importância que as heroínas tiveram e continuam tendo para a cultura pop. Entre 1938 e 1950, a chamada Era de Ouro dos quadrinhos não nos legou apenas cuecas por cima das calças - várias mulheres vestiram mantos e capas para lutar contra o crime nessas histórias.
No início de 1940, a protetora sobrenatural das selvas africanas Fantomah foi uma das primeiras heroínas, criada por Fletcher Hanks. No mesmo ano, o próprio Will Eisner concebeu a Lady Luck, que lutava contra o crime apenas com suas artes marciais. A mais importante personagem desses primórdios, no entanto, foi Miss Fury, uma das principais inspirações da Mulher Maravilha, que surgiria seis meses mais tarde. Publicada pela primeira vez em abril de 1941, a Miss Fury foi a primeira heroína concebida por uma quadrinista - infelizmente, June Mills teve de usar o pseudônimo Tarpé Mills para ocultar seu gênero.
Em outubro de 1941, foi a vez de Diana de Themyscira surgir e se tornar a mais vigorosa personagem feminina do nicho de super-heróis. Criada pelo psicólogo William Moulton Marston, a Mulher Maravilha é uma amazona que se misturou à sociedade para defender a humanidade. Ela se tornou uma das mais relevantes personagens da DC Comics e foi fundadora da Liga da Justiça. No entanto, só ganhou seu primeiro filme próprio em 2017.
Nos anos 1960, surgiram várias heroínas relevantes, como a Mulher Invisível (do Quarteto Fantástico), Jean Grey, Tempestade Vespa, Viúva Negra, Feiticeira Escarlate - hoje, todas com suas respectivas encarnações cinematográficas, mas nunca como protagonistas. Entre as mais interessantes personagens dos últimos tempos está Jessica Jones, criada em 2001, e que não apenas subverte convenções dos quadrinhos, como a questão dos trajes, mas discute temas como estupro, relacionamentos abusivos depressão e assédio sexual. Ela ganhou série em coprodução da Marvel com a Netflix.
Já a Capitã Marvel, que chega aos cinemas na quinta, 7, era chamada de Miss Marvel e não tinha um papel muito importante no universo da Casa das Ideias até que a roteirista Kelly Sue DeConnick recriou a personagem em 2012. Durante a saga Guerra Civil II (2016) nos quadrinhos, Carol Danvers, detentora do posto de Capitã Marvel, foi uma das protagonistas se opondo a Tony Stark, o Homem de Ferro. Quando Carol Danvers se tornou a Capitã Marvel e deixou o título de Miss Marvel vago, uma nova personagem, Kamala Khan, herdou sua alcunha. A jovem americana de origem paquistanesa apareceu pela primeira vez nas HQs da Capitã Marvel em 2013 e se tornou uma das favoritas dos leitores.