A imensa procura por ingressos para Grande sertão: veredas inquietava sua diretora, Bia Lessa. Espetacular transposição para o palco da obra de Guimarães Rosa, a peça exibe toda a riqueza da arte teatral para ativar a imaginação a preservar as palavras do escritor mineiro. Com a impossibilidade de ampliar a turnê de Grande sertão, Bia decidiu filmá-la. “Assim, o trabalho poderia atingir mais pessoas e cidades onde a montagem não consegue chegar”, diz ela, que está editando o material captado.
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“O que facilitou a transposição para o cinema é que gravamos todos os ensaios, pois não sabíamos, no início, para onde o processo nos levaria”, lembra Bia. “Em determinado momento, concluímos que o processo até poderia ser mais importante do que o resultado final. Nos primeiros ensaios, o que interessava era chegar à vida, esquecer teatro, interpretação.
A versão cinematográfica vai se chamar Travessia e deve estrear no segundo semestre. Bia, o elenco e a equipe de cinema ficaram concentrados em um enorme galpão. Foi preciso abrir mão da gaiola – estrutura tubular instalada no palco, na qual as cadeiras são colocadas em forma de U, onde, na região central, os atores permanecem durante todo o espetáculo.
TINTA
São 2h40min de peça. A fim de abrir mão de cenário – exigência habitual do cinema, que trabalha com o realismo –, a diretora pediu que tudo (chão, paredes, telhado) fosse escurecido com tinta preta. “Como se não fosse mais a solidão do confinado, mas a solidão do nada, lugar nenhum.
Como o galpão é maior do que o teatro, Bia convocou outros 10 atores para as cenas de luta e caminhadas. Curiosamente, para a versão teatral, ela usou a linguagem cinematográfica, especialmente para construir a sonoridade. No teatro, o espectador pode usar fones de ouvido e escutar, separadamente, a trilha sonora composta por Egberto Gismonti, as vozes dos atores, os efeitos sonoros e sons ambientes – um nível inédito de interação com a dimensão sonora do espetáculo.
“Meu dilema foi trazer isso para o cinema sem perder a originalidade”, conta a encenadora, que se valeu de um ensinamento do cineasta suíço Jean-Luc Godard: “Ele se incomodava com o fato de, no cinema, um ator, para falar de uma maçã, ter de mostrar a maçã. Para Godard, o cinema precisa mostrar o que não é óbvio, ou seja, usar uma lente microscópica ou uma lente de aumento, para então ver a maçã que não conhecemos”.
Assim, ela consegue a licença poética para mostrar Caio Blat como Riobaldo, um cacto e um sapo. Belo exemplo de cinema artesanal, cuja intenção é revelada já na primeira cena: a câmera postada no alto flagra a chegada dos atores, que param em posição triangular. Em seguida, todos se transformam em pássaros para se levantar, voltar à posição e sair, novamente como homens..