O Festival de Berlim premiou dois longas que abordam questões polêmicas: a política adotada por Israel e a pedofilia na Igreja Católica. Entregue no sábado (16), o cobiçado troféu Urso de Ouro ficou com Synonymes, do diretor israelense Nadav Lapid, enquanto o grande prêmio do júri foi para Grâce à dieu, do francês François Ozon.
saiba mais
“O filme fala de ser israelense em um momento em que não é possível sê-lo. Israel é um país que exige de você amor absoluto, total, sem concessões. Quando alguém rejeita esse amor, vai parar no outro extremo, no ódio total”, disse Lapid.
Ao receber o Urso de Ouro, o cineasta afirmou não temer a polêmica que Synonymes vai causar. “Meu filme poderia ser definido como um escândalo em Israel, mas na França algumas pessoas também poderiam se escandalizar. Para mim, esse filme é uma grande celebração”, disse ele, ao agradecer o prêmio.
ABUSO Grâce à dieu, de François Ozon, narra a criação da associação francesa La Parole Libérée (A Palavra Liberada), em 2015, por antigos coroinhas que sofreram abusos sexuais cometidos pelo sacerdote Bernard Preynant. O escândalo de pedofilia abalou a Igreja Católica da França.
“Meu filme tenta romper o silêncio das instituições poderosas”, afirmou Ozon. Com ironia, ele agradeceu a Deus pelo prêmio e o dedicou às vítimas de abusos sexuais.
Os advogados de Preynant, sob julgamento atualmente, querem adiar a estreia do longa na França, prevista para quarta-feira (20).
CHINA 'So long, my son', dirigido por Wang Xiaoshuai, aborda faceta polêmica da história da China: a permissão aos casais de ter apenas um filho, política abandonada recentemente. O longa levou dois prêmios importantes no festival alemão. Yong Mei e Wang Jinchum conquistaram o Urso de Prata de melhor atriz e ator, respectivamente.
Com três horas, a produção chinesa, uma das favoritas da Berlinale, é um drama alegórico sobre duas famílias cujos destinos se cruzam durante 30 anos de mudanças radicais no país.
“A história pode ser lida como uma crítica mordaz à política de filho único. Há também cenas poderosas que ilustram os efeitos dolorosos da mudança desenfreada imposta pelo capitalismo na década de 1980 e início dos anos 1990. Mas isso não distrai Wang de seu objetivo, que é mostrar como pessoas comuns lidam com a dor e os dilemas morais”, elogiou o jornal South China Morning Post.
NETFLIX Berlim não escapou da polêmica envolvendo a participação em festivais de filmes direcionados a plataformas de streaming e não exibidos em salas de cinema.
Exibidores da Alemanha contestaram a presença de Elisa y Marcela, dirigido pela espanhola Isabel Coixet, na disputa pelo Urso de Ouro. Trata-se do primeiro título produzido pela Netflix selecionado pela Berlinale, única produção ibero-americana concorrente ao cobiçado troféu este ano.
“A Berlinale defende os telões de cinema; a Netflix, as pequenas telas”, reclamaram 160 exibidores em carta aberta, exigindo a retirada de Elisa y Marcela da competição. O longa foi mantido, mas recebeu vaias na sala do Berlinale Palast assim que a logomarca da plataforma surgiu na tela.
Coixet acusou o documento dos exibidores alemães de desrespeitá-la. E avisou: “O futuro passa pela convivência das várias plataformas”.
Em 2018, a Netflix não disputou o Festival de Cannes depois de protestos contra a seleção de Okja. Ao recusar o compromisso de exibir Roma nas salas francesas, a plataforma teve o filme de Alfonso Cuarón retirado da competição pela Palma de Ouro.
Porém, Roma conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, tem ganhado vários prêmios importantes e é um dos favoritos para o Oscar, cuja cerimônia será realizada no próximo domingo, em Los Angeles (EUA).
As conquistas da América Latina
A América Latina marcou seu espaço na Berlinale. O Urso de Prata de melhor curta-metragem foi para Blue boy, do argentino Manuel Abramovich. Lemebel, dirigido pela chilena Joanna Reposi, exibido na mostra paralela Panorama, ganhou o Teddy Award de melhor documentário de temática LGBTQ+.
A brasileira Eliza Capai ganhou o prêmio da Anistia Internacional com o longa Espero tua (re)volta, exibido na mostra Generation, que aborda a ação estudantil em 2015, quando garotos e garotas ocuparam escolas de São Paulo para exigir educação de qualidade.
“Fazer o filme foi difícil, mas nem nos piores pesadelos poderia imaginar que ele ficaria pronto em condições tão adversas. É uma honra estar aqui e protestar, para o mundo, contra o governo homofóbico, racista e contra as mulheres que se instalou no Brasil”, disse Capai.