Até onde se vai por amor? Com Guerra fria, que estreia nesta quinta (7), no Cine Ponteio, o diretor polonês Pawel Pawlikowski responde essa pergunta atravessando 15 anos na história de um casal do Leste europeu. E assim como em seu longa anterior, Ida (2015, Oscar de melhor filme estrangeiro), a turbulência política e os rescaldos do pós-guerra que marcam a região, em especial a Polônia, acabam definindo o destino de seus personagens.
O casal de protagonistas é Zula (Joanna Kulig, presente em Ida) e Wiktor (Tomasz Kot). Os nomes são os dos pais de Pawlikowski, que lhes dedica o filme. Ele é um pianista e maestro; ela, uma jovem do interior cuja atitude e beleza a destacam em meio a uma série de concorrentes a uma vaga num grupo de música.
Vencedor da Palma de Ouro de direção no Festival de Cannes, Guerra fria está indicado a três Oscar: melhor filme estrangeiro (é um dos favoritos, a despeito da enorme repercussão de Roma, de Alfonso Cuarón), direção e fotografia (assinada por Lukasz Zal, que também concorreu por Ida).
Radicado na Inglaterra desde a adolescência, Pawlikowski voltou à Polônia natal para filmar Ida. Em Guerra fria, o cineasta utilizou algumas das mesmas opções técnicas que marcaram a estética do longa de 2015. Filmou em preto e branco e em um formato hoje pouco usual: 4:3, também chamado de janela clássica (tela quadrada), que dominou o cinema até os anos 1950.
É 1949. Na Polônia sob o domínio stalinista, dois professores percorrem o interior do país em busca de vozes para integrar um recém-formado grupo dedicado à canção popular. Querem intérpretes originais para as canções folclóricas – histórias tristes, simples, de amor e sofrimento. Na audição, Wiktor se impressiona com Zula. Ela não é quem parece ser, lhe diz sua colega, Irena (Agata Kulesza). Mas já naquele momento ele é tomado por ela.
Não demora para Zula se tornar a estrela do Mazurek, nome fictício para a formação, inspirada no Mazowsze, este um famoso grupo folclórico polonês (integrantes do grupo aparecem no filme). O sucesso da formação logo leva as autoridades a mudarem os planos. O Mazurek tinha potencial para ir além da Polônia. Berlim Oriental e Moscou, por que não? Bastava que o repertório se encaixasse aos respectivos cenários. O que incluiu louvores a Stalin e à reforma agrária.
Wiktor é contra a mudança, que desvirtua a ideia original do grupo. Zula, que com o grupo fugiu de um passado obscuro (ela teria ferido o próprio pai depois de uma tentativa de abuso), não se incomoda com as exigências. O idealismo de um e o pragmatismo de outra vão levá-los a sucessivos desencontros, que vão mudando de cenário a cada novo salto temporal.
Wiktor aproveita uma situação e consegue desertar. Não consegue levar Zula com ele. Os anos vão passando e o agora ex-casal se encontra rapidamente em situações diversas. O instinto de sobrevivência os leva a extremos, mas é o que sentem um pelo outro que vai definir sua situação.
Pawlikowski fez de Ida um grande exercício cinematográfico. Filmou principalmente o interior de Polônia de maneira nada ortodoxa. Mas sua câmera, com longos planos, era mais estática – cada quadro parecia estudado minuciosamente.
Em Guerra fria, o diretor vai para o caminho oposto. Filma novamente com nenhuma economia de planos. Mas as sequências são mais livres, num diálogo com a mudança da história (o diretor utilizou locações na Polônia, Croácia e França).
A Zula fechada de outrora surge, já em meados da década de 1950, como uma mulher livre. Uma cena marcante que traduz esta mudança é a da personagem bêbada na madrugada de um clube parisiense, se deixando levar por diferentes pares ao som de Rock around the clock.
Seriam Zula e Wiktor outras pessoas não fossem as circunstâncias políticas em que viveram? Neste pequeno conto de amor e dor, o diretor deixa alguns espaços em branco para o espectador. Os não ditos, no caso, dizem muito. Basta saber interpretá-los.
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Vencedor da Palma de Ouro de direção no Festival de Cannes, Guerra fria está indicado a três Oscar: melhor filme estrangeiro (é um dos favoritos, a despeito da enorme repercussão de Roma, de Alfonso Cuarón), direção e fotografia (assinada por Lukasz Zal, que também concorreu por Ida).
Radicado na Inglaterra desde a adolescência, Pawlikowski voltou à Polônia natal para filmar Ida. Em Guerra fria, o cineasta utilizou algumas das mesmas opções técnicas que marcaram a estética do longa de 2015. Filmou em preto e branco e em um formato hoje pouco usual: 4:3, também chamado de janela clássica (tela quadrada), que dominou o cinema até os anos 1950.
É 1949. Na Polônia sob o domínio stalinista, dois professores percorrem o interior do país em busca de vozes para integrar um recém-formado grupo dedicado à canção popular. Querem intérpretes originais para as canções folclóricas – histórias tristes, simples, de amor e sofrimento. Na audição, Wiktor se impressiona com Zula. Ela não é quem parece ser, lhe diz sua colega, Irena (Agata Kulesza). Mas já naquele momento ele é tomado por ela.
Não demora para Zula se tornar a estrela do Mazurek, nome fictício para a formação, inspirada no Mazowsze, este um famoso grupo folclórico polonês (integrantes do grupo aparecem no filme). O sucesso da formação logo leva as autoridades a mudarem os planos. O Mazurek tinha potencial para ir além da Polônia. Berlim Oriental e Moscou, por que não? Bastava que o repertório se encaixasse aos respectivos cenários. O que incluiu louvores a Stalin e à reforma agrária.
Wiktor é contra a mudança, que desvirtua a ideia original do grupo. Zula, que com o grupo fugiu de um passado obscuro (ela teria ferido o próprio pai depois de uma tentativa de abuso), não se incomoda com as exigências. O idealismo de um e o pragmatismo de outra vão levá-los a sucessivos desencontros, que vão mudando de cenário a cada novo salto temporal.
Wiktor aproveita uma situação e consegue desertar. Não consegue levar Zula com ele. Os anos vão passando e o agora ex-casal se encontra rapidamente em situações diversas. O instinto de sobrevivência os leva a extremos, mas é o que sentem um pelo outro que vai definir sua situação.
Pawlikowski fez de Ida um grande exercício cinematográfico. Filmou principalmente o interior de Polônia de maneira nada ortodoxa. Mas sua câmera, com longos planos, era mais estática – cada quadro parecia estudado minuciosamente.
Em Guerra fria, o diretor vai para o caminho oposto. Filma novamente com nenhuma economia de planos. Mas as sequências são mais livres, num diálogo com a mudança da história (o diretor utilizou locações na Polônia, Croácia e França).
A Zula fechada de outrora surge, já em meados da década de 1950, como uma mulher livre. Uma cena marcante que traduz esta mudança é a da personagem bêbada na madrugada de um clube parisiense, se deixando levar por diferentes pares ao som de Rock around the clock.
Seriam Zula e Wiktor outras pessoas não fossem as circunstâncias políticas em que viveram? Neste pequeno conto de amor e dor, o diretor deixa alguns espaços em branco para o espectador. Os não ditos, no caso, dizem muito. Basta saber interpretá-los.