Em torno do palácio da rainha Anne (Olivia Colman), a lama fede. “Chamam isso de comentário político”, avisa uma criada a Abigail (Emma Stone), em sua chegada à corte, logo no início de 'A favorita', longa-metragem de Yorgos Lanthimos que estreia nesta quinta-feira (24) no Brasil, depois de receber 10 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e diretor.
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Diretor de 'Bohemian Rhapsody' enfrenta novas acusações de má conduta sexual com menoresMãe de criança que inspirou o curta 'Detainment' critica indicação ao OscarAcademia perdoa polêmicas de 'Green book', que recebeu cinco indicações 'Roma' e 'A favorita' recebem 10 indicações ao Oscar. Confira listaNetflix já é a vencedora do Oscar 2019. EntendaCom medo de ser engolida, Hollywood abraça a Netflix'Creed II' é meio clichê, mas tem cenas que fazem você dar soco no arDesde o primeiro contato de Abigail com o centro do poder, 'A favorita' evidencia que a intriga e a trapaça são seu moto-contínuo. A aspirante a criada chega coberta de lama, porque foi empurrada da carruagem na qual viajou até o palácio por um outro passageiro assediador. A funcionária que a recebe a aconselha a se limpar antes de ir ao encontro de lady Sarah e lhe indica uma porta para fazer isso. Ao entrar, Abigail se depara com a prima e outros nobres e logo percebe que foi ludibriada.
É a cascata de estratégias para conquistar e exercer o poder, exercitada de alto a baixo na corte, que dá ao longa de Lanthimos um tom algo feérico, embora toda a ação se ambiente no século 18. O contexto é de guerra, literalmente. A Coroa britânica e a França estão em disputa e, internamente, há uma divisão clara na corte de Anne entre os que querem a intensificação dos ataques e os que defendem um acordo para cessar o conflito.
Lady Sarah é a mente de enxadrista por trás das decisões da rainha.
OSCAR As três atrizes tiveram suas imponentes performances reconhecidas com uma indicação ao Oscar, e Olivia Colman venceu o Globo de Ouro por seu retrato de Anne, o papel mais exigente da trinca. Mimada e voluntariosa, a rainha é também uma mulher traumatizada pela perda de 17 filhos e debilitada por uma enfermidade dolorosa e constante. Ela é dada a acessos de insegurança (como governante) e de possessividade (em sua relação romântica com Sarah) e muitas vezes age como uma tirana obscurantista. Enfim, uma personagem largamente desagradável, que Colman consegue tornar de certa forma empática, com seu ar de desproteção e sofrimento.
Na esgrima virtual entre lady Sarah e Abigail, os diálogos cheios de ironia e subentendidos são a regra. E, aqui, a atitude das duas personagens parece fazer um gracejo ao novo feminismo do século 21. Ambas são inteligentes, seguras e determinadas a conseguir o que querem. Mesmo nos casos em que contam com a ajuda de um homem, são elas que dão as cartas.
O outro paralelo de A favorita com os dias atuais (e que talvez seja uma das razões do destaque que o filme obteve) é seu retrato impiedoso dos políticos e da forma de se fazer política, partindo de um episódio real da trama geopolítica do século 18. No longa, o engano é o recurso mais comum para alcançar objetivos que são invariavelmente mesquinhos e individualistas, embora muitas vezes se disfarcem em intenções altruístas em nome dos que sofrem as consequências das decisões palacianas. “Essa lama fede” é o nome de um dos capítulos nos quais o filme se divide. Mas, na história inteira, algo cheira mal..